Protecção de Dados veta publicação integral de capítulo sobre mortes em Pedrógão
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Parecer diz que publicação de informação sobre as circunstâncias da morte no incêndio de Pedrógão “expõe as pessoas num grau muito elevado”. Famílias podem ter acesso a partes respeitantes aos familiares.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) “não autoriza” a publicação integral do capítulo 6 do relatório do professor Domingos Xavier Viegas, que descrevia as circunstâncias da morte das 64 pessoas e que conta ainda histórias de sobreviventes do incêndio de Pedrógão Grande. O Ministério da Administração Interna tinha pedido um parecer à CNPD, que agora recusa que se torne pública esta informação, sobretudo pelo elevado grau de exposição das histórias das pessoas e a sua divulgação na Internet.
No parecer, a CNPD diz que, apesar de ter sido feito um esforço de retirar os nomes das vítimas, “é possível relacionar os factos e situações descritas com as vítimas, testemunhas e sobreviventes e, com isso, identificar a quem diz respeito”.
A decisão, que demorou cerca de um mês a ser tomada, salienta ainda que apenas poderia ser decidido tornar públicos estes dados ou com o consentimento expresso dos titulares (o que não é possível na sua maioria, uma vez que parte do capítulo que não será divulgado diz respeito a pessoas que morreram) e se estivesse provado o “interesse público”.
Além disso, na parte respeitante à situação das vítimas mortais, a CNPD diz que “a divulgação generalizada, sobretudo no contexto da Internet, da informação pormenorizada sobre cada uma das vítimas e das suas últimas horas de vida expõe as pessoas num grau muito elevado, afectando significativamente os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à protecção de dados pessoais, sem que se alcance a imprescindibilidade do conhecimento dessa informação pessoal detalhada para a avaliação da actuação dos organismos públicos dependentes ou sob tutela do MAI, uma vez que a publicação dos dados estatísticos, sem dados pessoais, alcança a finalidade de transparência pública”, lê-se.
No que toca à necessidade de apurar o trabalho das instituições públicas, para se aferir se algo falhou no socorro a estas vítimas, a CNPD considera ser “suficiente” a publicação estatística sobre os casos. A deliberação considera “relevante” que seja dado a conhecer o número de situações em que houve falhas, como o número de casos em que “não foi possível assegurar através do uso de água a protecção das pessoas e casas”; o número de casos “em que isso justificou a fuga das pessoas a pé ou em veículo”; o número de casos “em que as comunicações telefónicas falharam impossibilitando o pedido de ajuda”; ou o número de casos em que “a ajuda foi pedida e não foi atempadamente recebida”, mas nunca a “descrição pormenorizada do que cada uma das pessoas em fuga fez”. Isto, porque essa informação, considera a CNPD, não traz “ao público em geral um conhecimento relevante para ajuizar do modo como actuou ou não actuou o poder público”. “Por outras palavras, a informação estatística, não acompanhada de pormenores sobre a vida pessoal das vítimas, afigura-se ser suficiente”, lê-se.
De acordo com Xavier Viegas, o que é possível retirar da avaliação caso a caso das vítimas mortais é que “faltou socorro” a algumas vítimas. Em entrevista ao PÚBLICO na altura, o especialista em fogos relatou casos de pessoas que acabaram por ter um socorro tardio ou ineficaz. A CNPD considera que é importante revelar apenas dados estatísticos sobre essas falhas.
Em relação ao restante capítulo, que diz respeito aos casos de sobreviventes e testemunhos de algumas pessoas envolvidas no socorro a vítimas, a CNPD afrouxa a proibição e permite que seja divulgada, mas com algumas condições, nomeadamente garantindo que tudo é anónimo ou se cada um dos intervenientes mencionados der “consentimento expresso e específico para o efeito”.
Apesar das restrições, a CNPD entende, no entanto, que tem de ser garantido o acesso a estes dados para alguns envolvidos, nomeadamente às pessoas mencionadas, aos familiares directos das vítimas, mas apenas nas partes relativas aos familiares directos. Por fim, a CNPD abre a porta a que outros elementos tenham acesso a este documento na íntegra, se “for demonstrado um interesse constitucionalmente protegido e o acesso se revelar adequado, necessário e não excessivo para a finalidade”.
Em causa está o capítulo mais denso do relatório da equipa do Centro de Estudos Florestais da Universidade de Coimbra, liderada pelo professor Xavier Viegas, sobre o incêndio de Pedrógão Grande. O estudo foi pedido pelo Governo logo na sequência do incêndio e o relatório foi conhecido em Outubro. Contudo, a pedido do MAI, foi retirado o capítulo 6 onde eram relatadas as circunstâncias das mortes caso a caso. Nesse mesmo dia, ainda com Constança Urbano de Sousa como ministra, foi pedido que se retirassem os elementos identificativos das pessoas do documento e mais tarde Eduardo Cabrita pediria um parecer à CNPD sobre se era possível ou não divulgar o capítulo em falta.
Fonte: Público
Foto: Rui Gaudêncio