Fisco proibido de cobrar impostos retroativamente

Supremo Tribunal Administrativo deu razão a um contribuinte a quem a Autoridade Tributária cobrou €155 mil de IRS relativos a uma transação que ocorreu quatro meses antes da entrada em vigor de novas regras de tributação de mais-valias.

Se dúvidas houvesse, elas ficam agora dissipadas: o fisco não pode cobrar impostos retroativamente e, em particular, não pode aplicar uma nova taxa de tributação a um contribuinte relativamente a uma transação ocorrida antes de essa nova taxa entrar em vigor.

Num acórdão de junho, que foi agora publicado em “Diário da República”, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio dar razão a um contribuinte a quem a Autoridade Tributária (AT) tentou em 2014 cobrar mais de €155 mil de IRS relativos à tributação de mais-valias na venda de ações de uma empresa. Segundo o STA, o fisco não o podia ter feito. O acórdão vem confirmar e uniformizar a jurisprudência nesta matéria, servindo de referência para futuros casos que os tribunais tenham de apreciar com contornos semelhantes.

O acórdão do STA resulta de um recurso de um contribuinte (não identificado) perante uma decisão de um tribunal arbitral que havia inicialmente dado razão à AT. Em causa está uma nota de liquidação de IRS no valor de €155 mil (incluindo juros compensatórios), emitida em 2014 pela AT, relativa à mais-valia que o contribuinte em questão tinha registado em 2010 ao vender, por 2,16 milhões de euros, as ações que tinha numa empresa.

O problema não foi a tributação da mais-valia, mas sim a taxa que a AT cobrou. Embora o contrato de venda das ações datasse de 12 de março de 2010, o fisco aplicou às mais-valias da venda das ações não a taxa de 10% mas sim uma taxa de 20%, que foi introduzida pela Lei 15/2010, a qual apenas entrou em vigor... a 27 de julho de 2010.

A Autoridade Tributária entende que a decisão arbitral que em primeira instância lhe deu razão “procedeu à correta interpretação e aplicação dos normativos legais”. A AT considera que na Lei 15/2010 o legislador “pretendeu de facto que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010 das quais resultasse um saldo positivo fosse sujeito a tributação efetiva, independentemente da data da sua realização”, uma vez que a lei não consagrou nenhuma norma transitória para salvaguardar “eventuais factos tributários em formação”.

O fisco argumentou ainda que o IRS se caracteriza por ser um “imposto direto e periódico de caráter anual” e que o que gera o imposto a pagar é a situação do contribuinte a 31 de dezembro de cada ano, o que confere à tributação do rendimento um “caráter unitário e global”. Segundo a AT, não faz sentido afirmar que se trata de uma situação de retroatividade “quando a solução legal, por um lado, se aplica ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano e, por outro, respeita a fatualidade ainda em formação, cuja verificação plena apenas ocorre no fim do período de tributação”.

Ora, o STA teve um entendimento distinto. No caso em questão, afirmam os juízes de contencioso tributário do STA, “ocorreu a aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea já completamente formados em momento anterior à data da sua entrada em vigor, o que envolve uma retroatividade autêntica”.

O STA conclui que “as mais-valias em discussão nestes autos estão sujeitas ao regime legal vigente à data da venda”, pelo que fica sem efeito a decisão arbitral que tinha dado razão ao fisco e têm de ser anuladas as liquidações adicionais de IRS de 2014.

Fonte: Expresso