Ministra quer mais pulseiras eletrónicas mas juízes insistem em prisão preventiva

A prisão preventiva foi aplicada em 95% dos casos em 185 inquéritos de Lisboa. Advogados criticam "cultura judiciária" de prender.

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, quer retirar mais presos das cadeias mas esbarra logo com um entrave: os juízes de instrução continuam a preferir aplicar a prisão preventiva para os crimes mais graves, a medida de coação mais gravosa mas também a mais dispendiosa para o Estado. Segundo o relatório semestral da atividade do Ministério Público (MP) de Lisboa deste ano, a que o DN teve acesso, em 185 inquéritos distribuídos pelos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Almada, Barreiro, Lisboa, Moita, Montijo e Seixal, 176 viram aplicada a prisão preventiva. Ou seja, a medida foi aplicada em 95% dos casos. Apenas em nove inquéritos foi decidida a prisão domiciliária para os arguidos (um sem pulseira eletrónica e oito com pulseira).

Para o bastonário dos Advogados, esta questão é cultural. "Há um problema de cultura judiciária em Portugal de aplicação de medidas e penas de prisão", critica Guilherme Figueiredo. "Não é bom que a prisão preventiva seja usada de forma excessiva", aponta.

Mas o Ministério Público tem argumentos para propor a medida mais gravosa em muitos casos. "Estamos a falar da criminalidade mais grave, por isso, a meu ver estes dados só podem resultar do facto de a ponderação e análise de cada caso, por parte do Ministério Público e do juiz de Instrução Criminal, concluir que os requisitos legais da medida de coação mais grave estavam verificados e a prisão preventiva ser a única adequada a garantir a paz social em todos os seus vectores, a proteger as vítimas e a própria investigação", justifica o procurador-geral adjunto, José António Branco, líder da comarca de Lisboa e que assina o documento.

Já o diretor geral da Reinserção Social e Serviços Prisionais (DGRSP), Celso Manata, diz estar mais focado nos condenados do que nos preventivos. "Chegámos a ter aplicações de prisão preventiva na ordem dos 30% em todo o país e agora temos 15 a 16%. Aí tem havido uma evolução positiva mas claro que era saudável que aumentasse a obrigação de permanência na habitação". Para Celso Manata, "o caminho grande a fazer é na substituição das penas curtas de prisão por penas alternativas e aí temos de assessorar os tribunais com mecanismos como a pulseira eletrónica para crimes punidos até dois anos. E temos ainda dois outros problemas no sistema: a média das penas aplicadas, que é alta, eo facto de haver poucas saídas em liberdade condicional".

Os números da comarca de Lisboa não refletem a vontade da ministra Francisca Van Dunem, que tem feito sucessivos apelos para o reurso à pulseira electrónica, devido à sobrelotação prisional. Em maio as propostas da ministra tomaram forma de lei com a aprovação, em Conselho de Ministros, da extinção da prisão por dias livres e regime de semidetenção e com a criação da permanência na hasbitação com vigilância eletrónica para penas de cadeia efetiva não superiores a dois anos. Perante os dados do relatório semestral da PGDL, o assessor da ministra respondeu ao DN que "no final do ano será feita uma avaliação da situação". Francisca Van Dunem não vai pressionar (nem pode) os operadores de justiça para que haja mais aplicação da pulseira eletrónica. "Dada a separação de poderes, a ministra da Justiça não faz recomendações ao Ministério Público nem aos Tribunais", respondeu o seu gabinete.

A verdade é que o problema da sobrelotação das prisões continua bem real. As cadeias acolhem atualmente cerca de 14 mil reclusos. Têm cerca de 2.500 presos (preventivos e a cumprir pena) a mais do que deveriam ter. "Continuamos a ter uma inaplicação de penas alternativas como é o caso da prisão domiciliária com pulseira eletronica. Também não há uma perspetiva cultural judiciária sobre a liberdade condicional: os presos saem no final da pena", critica o bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo.

Paulo Sá e Cunha, presidente da Associação de Advogados Penalistas, entende que "a aplicação da prisão preventiva tem a ver com a prática judiciária mas também com a carência de meios. Há uma insuficiência de meios para se recorrer a formas alternativas de cumprimento da pena, como obrigação de permanência em casa. Faltam técnicos de reinserção social e meios de deteção à distância".

Paulo Sá e Cunha admite que a ministra "não pode dar instruções aos procuradores ou juízes mas pode sensibilizar a Procuradora-Geral da República nesse sentido. E sai mais barata a pulseira eletrónica do que a reclusão".

Fonte: Diário de Notícias