Começou a corrida à "elite" dos juristas portugueses

Entre procuradores-gerais adjuntos, juízes desembargadores e juristas de mérito, 54 querem ser juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça

Aos 62 anos, o procurador-geral adjunto Raimundo Queirós quer ser juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Como se diz nos tribunais, passar de "digno magistrado do Ministério Público" a integrar o "colendo" (os respeitáveis juízes conselheiros) do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Só que, apesar de ter desfiado com rigor o seu currículo, teve de, durante um intervalo e com o devido respeito, entrar na sala do júri do 15.º Concurso Curricular de Acesso ao STJ para lembrar que também tinha um doutoramento. "Já sabemos", ouviu-se. Está no processo, mas nisto de avaliação curricular convém sublinhar os pontos fortes.

Raimundo Queirós é um dos 54 concorrentes ao STJ, tribunal onde, segundo alguns dos candidatos, se encontra a "elite" dos juristas. Ao Supremo podem aspirar juízes desembargadores (dos Tribunais da Relação), procuradores-gerais adjuntos e juristas de mérito. Estes últimos passaram a ter acesso ao Supremo depois de uma alteração à lei em 2008, a qual consagrou ainda a existências de provas públicas. Os aprovados ficam numa lista graduada à espera de vaga.

Na manhã de "orais", acompanhada pelo DN no Conselho Superior da Magistratura, desfilaram perante o júri procuradores-gerais adjuntos e uma jurista de mérito. Na mesa de avaliação sentaram-se Luís Menezes Leitão e Germano Marques da Silva, ambos professores catedráticos de Direito, o antigo presidente do Tribunal Constitucional José Cardoso da Costa, o juiz conselheiro Francisco Caetano, o advogado Alfredo Castanheiro Neves e o próprio presidente do STJ, Henriques Gaspar. E foi perante este grupo que o procurador Raimundo Queirós expôs os argumentos curriculares. Nem mesmo quando lhe perguntaram a que se deveu a nota de "Bom" vacilou. Era o "calcanhar de Aquiles", referiu, mas o tal "Bom", argumentou, deveria ser visto numa "perspetiva evolutiva", pois logo a seguir teve "Muito Bom".

Perante a nota de licenciatura em Coimbra (provavelmente, um 17, já que não foi muito percetível), José Cardoso da Costa estranhou porque é que Nuno Gonçalves, também procurador-geral adjunto, não trabalhou num grande centro urbano como Lisboa ou Porto. O magistrado do Ministério Público contou que após o curso no Centro de Estudos Judiciários (a escola das magistraturas) ainda ponderou ficar pela capital, mas decidiu voltar à terra, Bragança. "Costumo dizer que se podemos fazer algo é bom fazê-lo pela nossa terra", sublinhou. Visivelmente impressionado com as qualidades técnicas do candidato, que apresentou trabalhos em diversas áreas do direito, Cardoso da Costa quis saber o que anda o procurador atualmente a fazer. E não foi pouco o que ouviu: coordenação na secção regional da Madeira do Tribunal de Costa, cargo que acumula com a coordenação da comarca e é auditor jurídico do representante da República para a região.

No meio dos anónimos magistrados esteve, na manhã de 24 de maio, Júlio Alberto Carneiro Pereira, o demissionário secretário-geral do Serviço de Informações da República, procurador-geral adjunto do Ministério Público. Enquanto magistrado do MP teve duas inspeções e logo classificado como "Muito Bom". O problema para Castanheiro Neves é que a última já foi há 20 anos. O homem das secretas não se encolhe. Admite que nos últimos anos esteve afastado das funções dos tribunais, mas esteve sempre "próximo". "Se é certo que os juízes trabalham em tribunais, também é certo que trabalham em assuntos que ocorrem fora deles, portanto não me sinto diminuído por isso. Tenho um vasto currículo que me enriqueceu bastante e que me dá condições para trabalhar no Supremo Tribunal de Justiça", argumentou.

Além das notas de avaliação (para os magistrados), os candidatos são ainda avaliados pelos trabalhos científicos que publicam, pelas alegações em tribunal, currículo académico e também pelo" prestígio profissional e cívico", o seu contributo para o correspondente ao exercício "a melhoria do sistema de justiça, para a formação nos tribunais de novos magistrados", a "dinâmica revelada nos lugares em que exerceu funções, a independência, isenção e dignidade de conduta" e a "serenidade e reserva com que exerce a função".

Como jurista de mérito, Maria de Fátima Gomes, professora na Universidade Católica de Lisboa, não tem trabalho judicial para apresentar. No final da defesa do currículo, considerou estar hoje mais preparada para decidir sobre a vida das pessoas do que quando saiu da universidade. Isto levou a que Henriques Gaspar a questionasse sobre que mais-valia, afinal, poderia trazer ao Supremo Tribunal de Justiça: "Caso ingressasse na magistratura após a licenciatura, teria sido terrível, pois ainda não tinha maturidade para decidir a vida das pessoas. Hoje, já passei por muito na vida e entendo que já tenho maturidade e consciência." A resposta pode ser boa, mas poderá não ter agradado aos magistrados.

Fonte: Diário de Notícias