Apenas 5 acusações por violação do segredo de Justiça nos últimos dois anos

PGR encomendou uma auditoria em 2014 para evitar violações do segredo, mas três anos depois o panorama não mudou muito. O advogado Saragoça da Matta diz que a lei é "só para inglês ver"

O Ministério Público (MP) apenas acusou cinco arguidos por violação do segredo de justiça nos últimos dois anos. Segundo dados avançados ao DN pelo gabinete da Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2015 e 2016 foram instaurados 71 inquéritos, 68 foram arquivados (não necessariamente os mesmos) e cinco seguiram para acusação. "De notar que as decisões proferidas num determinado ano podem ser respeitantes a inquéritos instaurados em anos anteriores", explica ao DN fonte oficial do gabinete de Joana Marques Vidal.

O segredo de justiça significa, na prática, que o conteúdo do processo não pode ser divulgado e que os vários atos processuais não poderão ter assistência do público. Com a reforma de 2007 do Código de Processo Penal, a regra passou a ser a de que os processos são públicos em todas as fases (da investigação ao julgamento). Porém, o juiz de instrução criminal ou o Ministério Público podem decretar o segredo de justiça, para salvaguarda das vítimas ou da própria investigação. E o MP pode pedir também o levantamento da publicidade, mas só será válido caso o juiz de instrução aceite esse pedido no prazo de 72 horas. Os arguidos, os ofendidos ou os assistentes no processo podem pedir a confidencialidade aos magistrados se estes considerarem que os seus direitos ficam prejudicados sem segredo.

"Esta lei é totalmente desadequada à realidade, já que manifesta um princípio e uma proibição que são, na prática, uma completa letra-morta", explica o advogado Paulo Saragoça da Matta, especialista na área da criminalidade económica e financeira. "De duas uma: ou cessa o regime de segredo de justiça, passando todos os processos a ser integralmente públicos, ou, se se deseja manter a possibilidade de sujeitar os inquéritos a segredo de justiça, ter-se-á de responsabilizar efetivamente quem viola a lei reiteradamente. De momento, são normas meramente para inglês ver!", diz em declarações ao DN. O advogado considera ainda que, na maioria dos casos, no banco dos arguidos não se sentam todos os responsáveis pela violação do segredo de justiça. "É óbvio que há responsáveis que não são criminalmente censurados como deviam ser."

Números

71 casos violação de segredo de Justiça. Entre 2015 e 2016 foram abertos 71 inquéritos por este crime. E foram arquivados 68. Em 2015 foram acusados dois arguidos e em 2016 três.

9 casos De dedução de acusação. Depois da auditoria pedida pela PGR, apenas nove casos (dos 83 inquéritos) acabaram em acusação no período entre 2011 e 2012.

Em janeiro de 2014, Joana Marques Vidal apresentava os resultados de uma auditoria feita aos eventuais casos de violação do segredo de justiça. Esse trabalho esteve a cargo do inspetor do MP João Rato. Joana Marques Vidal justificou a auditoria, quando do seu anúncio, com o objetivo de apurar em que "momentos, fases ou locais tais violações ocorreram, e avaliar os procedimentos e percursos processuais habitualmente adotados pelo MP". E assim concluiu-se que dos 1,3 milhões de processos movimentados em 2011 e 2012 apenas foram instaurados 83 inquéritos criminais por violação do segredo. E que destes, só nove acabaram com uma acusação - seis delas contra jornalistas.

Mas, segundo este relatório, nem todas as informações que quebram o segredo de justiça chegam através de fontes não identificadas ou por meios desconhecidos da PGR: existem fugas que chegam aos jornalistas através de comunicados de imprensa. O documento explicava que seis das informações confidenciais detetadas em notícias partiram de notas de imprensa dos próprios serviços ou provenientes das forças policiais. "Importa fazer um levantamento rigoroso e pormenorizado das violações do segredo de justiça nos inquéritos-crime, de modo a apurar a respetiva autoria ou, pelo menos, em que momentos processuais, de que forma e em que circunstâncias ocorreram", dizia a nota emitida pela PGR.

Nesse relatório a PGR deixa duros recados à atuação do Ministério Público nos casos de investigação de eventuais violações do segredo de justiça, dizendo que nem sempre o MP dá cumprimento à lei que vigora no Código de Processo Penal sobre este crime da forma mais adequada. Quer "por inércia" quer por "descrença no sistema". O advogado Paulo Saragoça da Matta admite que escreveu sobre essa mesma auditoria pedida em 2014, concordando com essa iniciativa da titular da investigação criminal. Porém, três anos volvidos, mostra-se mais cético: "Escrevi quando soube da auditoria, que seria o primeiro e essencial passo para que algo mudasse. Como habitualmente, em Portugal, tudo se estuda e analisa. Porém, a própria história dos processos mediáticos que desde então têm acontecido demonstra plenamente que nada mudou", concluiu o advogado.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Miguel A. Lopes/LUSA