Ministério Público está a avaliar cláusulas abusivas nas vendas à distância

Consumidores podem expor situações em que se consideram prejudicados, sem ter de apresentar uma queixa formal.

À semelhança do que já fez para outras áreas de consumo, a Procuradoria Cível de Lisboa elegeu as vendas à distância, especialmente as realizadas através da Internet, como uma área a privilegiar no âmbito da sua actuação em defesa dos direitos do consumidor. É um trabalho complexo, que implica o levantamento exaustivo das práticas comerciais e de acesso a contratos até à apresentação de acções inibitórias, com o propósito de obter a declaração judicial de nulidade de cláusulas abusivas ou ilegais.

Entre as fragilidades dos contratos das vendas à distância, o coordenador da Área Civil de Lisboa, destaca a responsabilidade do vendedor pela entrega produto em boas condições, sendo frequente a passagem de responsabilidades para o transportador e ou do agente que faz a entrega final.

A iniciativa neste tipo de trabalho tem partido essencialmente do Ministério Público (MP), mas também de queixas ou exposições apresentadas por particulares e por associações de defesa do consumidor, como a Deco.Mas os consumidores podem ter uma maior intervenção, através da apresentação de situações em que se sentem prejudicados. Não se trata da apresentação de queixas formais, até porque o MP não pode assumir a defesa de um consumidor individualmente, mas apenas no interesse geral ou colectivo, mas o consumidor pode vir a beneficiar da decisão de nulidade de uma ou mais cláusulas, podendo invocar essa decisão geral no âmbito das suas relações contratuais.

Neste domínio, o trabalho do MP tem sido discreto, variando um pouco da disponibilidade de recursos humanos (magistrados), e a publicitação das decisões (obrigatória em alguns casos) nem sempre é a melhor, mas há várias dezenas de acções inibitórias (declaração judicial de nulidade de cláusulas abusivas) já julgadas apenas na comarca de Lisboa.

A estratégia do Ministério Público tem sido a de “varrer” um determinado sector, com a preocupação de abranger e esgotar as principais questões relativas a cada uma, passando-se depois à temática seguinte, com igual preocupação, explica o coordenador da área cível de Lisboa. Foi dentro dessa metodologia que a Procuradora Cível de Lisboa já fez um tratamento sistematizado das Telecomunicações (telefones, telemóveis, acesso à internet), Seguros, Bancos e Entidades parabancárias (incluindo crédito e locação financeira), Ginásios, Time-sharing e, desde 2015, o trabalho está a centrado nas vendas à distância.

A actividade bancária e parabancária foi uma das áreas a que foi dada prioridade (desde 2008) e que, tendo encontra a multiplicidade de questões colocadas, obrigou a uma abordagem mais dilatada no tempo, sensivelmente entre 2010 e 2014, e à interposição de acções inibitórias desdobradas por contrato, originando assim casos de colocação de várias acções (uma por cada contrato-tipo considerado) contra a mesma entidade (banco ou empresa de crédito).

E em resultado desse trabalho, só na área financeira, o Núcleo de Propositura de Acções (NPA) da Comarca de Lisboa apresentou 65 acções, 53 contra bancos e 12 contra outas entidades financeiras, segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pela Procuradoria-Geral da República. Dessas 65 acções, 48 foram já decididas (decisão final transitada em julgado), estando as restantes 17 ainda pendentes, maioritariamente em fase de recurso. Das 48 acções decididas, 39 foram julgadas “procedentes” (procedência total ou parcial), 2 improcedentes, e 7 arquivadas por inutilidade superveniente, ou seja, casos em que se comprovou que os contratos ou cláusulas deixaram de ser usadas pela entidade visada.

Ainda segundo dados relativos à Comarca de Lisboa, entre 2013 e 2017, e de um total de 312 processos abertos (trabalho administrativo) na comarca de Lisboa, foram propostas 137 acções, sendo que, por regra, em cada acção são sindicadas várias cláusulas contratuais, pelo que as decisões judiciais obtidas nem correspondem ao total do pedido. Os casos de improcedência verificados são apenas três.

Por ser um levantamento demorado, o PÚBLICO solicitou à Procuradora-Geral da República apenas os dados da Comarca de Lisboa, mas os dados nacionais poderão ser consultadas online. No site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, acessível ao público, podem ser consultados 54 sumários dessas decisões (sobre os vários temas das acções inibitórias). A divulgação dos sumários dessas acções também vai ser feita através da Deco, no âmbito de uma protocolo estabelecido recentemente.

Fonte: Público
Foto: Enric Vives-Rubio