Ex-unidos de facto podem decidir guarda da criança fora do tribunal

Bastonário dos advogados discorda desta 'desjudicialização' que envolve menores

A partir de 1 de abril os pais ex-unidos de facto que queiram definir questões como onde fica a viver o filho menor ou qual o valor da pensão de alimentos - desde que estejam de acordo - vão poder passar a fazê-lo nas conservatórias e prescindir de uma ida a tribunal. Esta será a data da entrada em vigor da lei que possibilita a regulação do regime das responsabilidades parentais, por mútuo acordo dos progenitores, junto das Conservatórias do Registo Civil.
Porém, segundo a nova lei, o acordo terá sempre de definir os direitos de visita, a prestação de alimentos e a fixação da residência do menor. O pedido deverá ser apresentado junto da conservatória de Registo Civil, analisado pelo conservador que pode inclusive pedir a produção de prova que pode passar pela audição da criança. De seguida envia o processo ao magistrado do Ministério Público para que este o valide ou não no prazo de trinta dias. Caso o magistrado aceite, o acordo é "homologado pelo conservador, produzindo os mesmos efeitos das sentenças judiciais". Se não aceitar, os pais podem alterar as questões apontadas pelo procurador ou remeterem o caso o tribunal.
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Guilherme Figueiredo, num artigo de opinião publicado na sexta-feira, considera que este regime "esvazia um tribunal de natureza especializada da regulação de tal exercício em todos os casos em que os progenitores do menor cessem a vida em comum, bem como quando pretendam alterar o regime fixado". O líder dos advogados considera que "esta é uma das matérias que nunca deveria sair da decisão de um juiz e de um procedimento a correr num tribunal de especialidade. O legislador, em vez de densificar o tribunal com meios e formação especial, afasta o assunto desse tribunal e remete-o para uma conservatória", concluiu.
O DN contactou Rui Alves Pereira, advogado de Família e Menores, que diz não concordar com a nova lei. "Não me revejo neste enquadramento legislativo, apesar de não ignorar as motivações politicas. Não me revejo nesta desoneração dos tribunais de processos desta natureza familiar e sobre crianças, esvaziando cada vez mais a competência dos tribunais". Já a advogada Andrea Baptista, associada sénior do escritório Rui Pena Arnaut & Associados considera que os direitos das crianças estão verdadeiramente acautelados.
"O conservador está vinculado a remeter o acordo alcançado ao Magistrado do Ministério Público e, no limite, o processo de regulação poderá mesmo ser levado a tribunal. Parece-me, desta forma, que as crianças estão igualmente protegidas com este novo regime", explica a advogada. "Parece-me que deverá ter-se em conta que a criança pode ser ouvida no tribunal, embora este seja um recurso utilizado apenas em situações limite, já que os tribunais tendem (felizmente) a proteger as crianças do constrangimento de um tribunal pois, não poucas vezes, a situação é per si, difícil para todos os envolvidos", concluiu. Rui Alves Pereira confessa ter algum "receio" que com esta legislação "se comece a ver o direito à audição da criança como um algo a afastar no caso de haver acordo entre os pais. É um retrocesso no respeito dos direitos da criança".

Fonte: Diário de Notícias