"Nós, juristas, sozinhos não conseguimos resolver o assunto"

O advogado Rui Alves Pereira atribui o decréscimo nos divórcios litigiosos à lei de 2008, que elimina a culpa do processo, e a técnicas como a mediação familiar.

Em 2013, último ano de que há estatísticas do divórcio em Portugal, 69% dos processos deram entrada nas conservatórias do registo civil, resultando em divórcio por mútuo consentimento. Dos restantes 31% que seguiram a via judicial, 1,2% foram decretados divórcios "litigiosos" ou "conversão de separações para divórcios".

O advogado Rui Alves Pereira, especialista em direito da família, presidente da associação A Voz da Criança e o advogado que escolhido por Dinis Carrilho, filho de Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho, no processo de divórcio dos pais, depois recusado pela juíza do processo, atribui a diminuição de divórcios litigiosos às alterações que a lei de 2008 trouxe, retirando a determinação da culpa do processo, e alterando assim, "a mentalidade das pessoas no sentido de tratar do processo de forma muito mais objetiva e amistosa". Atribui-a também ao facto de "os tribunais hoje terem meios ao seu alcance para que as pessoas possam celebrar acordos, e não entrar em conflitos, como a mediação familiar, que está a crescer."

Quando identifica a necessidade de mediação, recomenda-a aos seus clientes, assim como o apoio de um psicólogo. "Não podemos tratar de forma racional aquilo que é irracional. Nós, juristas, sozinhos não conseguimos resolver o assunto." Os campos de maior conflitualidade, afirma, são "a questão da residência alternada semanal, que é a divisão de tempo de forma igualitária, e a pensão de alimentos".

Além de advogada, Anabela Quintanilha é mediadora familiar há vinte anos, ainda que essa atividade legal - de que o tribunal é hoje obrigado a dar conhecimento - permaneça uma novidade para muitas pessoas. "O que trabalhamos sobretudo são técnicas de comunicação, pôr aquelas pessoas a conversar sobre assuntos muito importantes, sobre os quais já não têm capacidade de conversar em casa porque estão sempre em guerra, sempre em discussão. E muitas vezes [os ex-cônjuges] já perderam o respeito mútuo, nós impomo-lo."

Na mediação, "acabam por ser os ex-cônjuges a construir uma sentença, e não o juiz", explica Quintanilha. "A ida à mediação pode não resultar em acordo, mas num encarar dos problemas de outra forma. Pode criar uma maior comunicação entre os pais, para poderem chegar ao tribunal e estarem com outra postura face ao conflito."

Atualmente, a criança é cada vez mais ouvida também na mediação familiar. Mas, alerta Anabela Quintanilha, "nunca podem ser os responsáveis por tomar as decisões. Eles podem ir para terem um espaço onde podem ser ouvidos."

A mediadora recorda dois casos. Num deles, "um jovem de 14 ou 15 anos" que, a certa altura, no decorrer da conversa, lhe perguntou: "Mas eu não tenho de escolher entre pai e mãe?" Anabela explicou-lhe que não. Outro caso é o de "uma adolescente que estava cheia de medo de dizer ao pai que não queria residir com ele." Durante o processo, conseguiu, e disse-o "de rompante: 'Pai, eu quero ficar a morar com a mãe, mas prometo que vou jantar contigo todos os fins de semana.'"

Ainda em relação aos pais e ex-cônjuges, a mediadora considera: "Sucesso na mediação não é conseguir um acordo, é conseguir que as pessoas adquiram outra postura face ao conflito e face ao outro progenitor. É extraordinário ver quando isso acontece. Eles não levam daqui um acordo, mas já vão a conversar um com o outro. Às vezes é notória a radicalização das posições, não conseguem olhar um para o outro. Eles entram por aqui a dizer: 'Eu não sei como é que consigo estar aqui, estar com esta pessoa na mesma sala...'"

Fonte: Diário de Notícias