Ministro aliado de Merkel ataca Portugal por falhas na segurança

Desde 2011 que Portugal devia partilhar automaticamente com a UE as bases de dados de impressões digitais e registo veículos. A Comissão já abriu um processo de infração

O ministro do Interior da Baviera, o maior estado alemão, da CSU (União Social-Cristã), partido aliado da CDU (União Democrata-Cristã) de Angela Merkel, defendeu que os países que não cumprem as ordens da UE em matéria de segurança antiterrorista devem sair da livre circulação do espaço Shengen. Portugal foi um dos países apontados, juntamente com a Irlanda, Grécia, Itália e Croácia, que ainda não cumprem integralmente a partilha de informações definida pela União Europeia (UE)e estão a ser alvo de um processo de infração por parte da Comissão Europeia.

Neste momento, Portugal só está a partilhar a base de dados de perfis de ADN, mas com um número de registos muito reduzido (apenas cerca de oito mil). Desde 2011 que todos os 27 estados-membros deviam ter as suas bases de dados de ADN, impressões digitais e registo de veículos ligadas em rede, para que as autoridades de segurança os possam consultar e partilhar automaticamente. A decisão, que visa uma troca de informação mais célere no combate ao terrorismo e aos crimes mais graves, foi tomada em 2008 e Prum, na Alemanha. Passados nove anos e no atual contexto de agravamento da ameaça terrorista , o incumprimento destes cinco países tem maior impacto.

Joachim Herrmann, o ministro bávaro, não perdoa a falha e pediu ao governo federal, onde tem a aliada Merkel, para interceder. "Até 2011 todos os estados membros deviam disponibilizar automaticamente os seus bancos de dados de ADN e impressões digitais às autoridades de segurança europeias. Até agora a Grécia, a Irlanda, a Itália, Portugal e a Croácia não o fizeram e por isso temos de ameaçar esses países de que se não cumprem não podemos abdicar de controlos fronteiriços", afirmou este mês na apresentação do programa do seu partido, para a área da imigração e segurança. Herrmann classificou a situação de "inaceitável", frisando que "estados que violam o direito da UE e põem em risco a segurança na Europa, não devem continuar a beneficiar do espaço Shengen". O governante recordou que tanto o terrorista de Berlim autor do atentado, em dezembro, que matou 12 pessoas, como o refugiado afegão, acusado de ter violado e assassinado uma estudante em Friburgo, tinham cadastro em Itália e na Grécia, sem que esta informação tivesse sido partilhada.

O ministério da Justiça, que está a coordenar a execução das decisões de Prum, deparou com o problema quando entrou em funções, em equipa da ministra Francisca Van Dunem, em novembro de 2015 e, segundo garantiu ao DN fonte oficial do gabinete de Francisca Van Dunem, "tomou de imediato o encargo de resolver os vários assuntos pendentes em matéria de cumprimento de obrigações internacionais". Estimam que "até final de março" esteja concluído o processo legislativo.

Confrontado com o ataque do ministro alemão, o ministério da Justiça não quis comentar.

Em setembro passado, a Comissão Europeia notificou formalmente Portugal (juntamente com a Itália, Grécia, Croácia e Irlanda) pela "infração", recordando que o cumprimento das "Decisões de Prum" eram uma prioridade na "Agenda Europeia para a Segurança", aprovada em 2015. A Comissão salienta que estes estados não estão a cumprir, pelo menos, duas das três categorias de dados" e lembra que estas regras visam "tornar mais rápidas e eficazes as trocas de informação para o combate ao terrorismo e crimes graves". Portugal respondeu, através do ministério da Justiça, garantindo que o país "está muito empenhado em assegurar o cumprimento" das decisões, "relativas ao aprofundamento da cooperação transfronteiras, em particular no domínio da luta contra o terrorismo e a criminalidade transfronteiras".
Contactado pelo DN, o porta-voz da Comissão Europeia para a área da Imigração e Segurança Interna, confirmou a receção da resposta, acrescentando que "está a ser analisada pela Comissão". Segundo as regras da UE, é normalmente dado um prazo de dois meses para o país indicar as medidas que está a tomar, mas se continuar em incumprimento a Comissão pode levar o caso ao Tribunal de Justiça Europeu e requer que sejam aplicadas multas.

250 mil impressões digitais

A maior base de dados de investigação criminal que Portugal tem para partilhar é a das impressões digitais, que contém cerca de 250 mil registos de suspeitos criminosos, condenados e arguidos e está na Polícia Judiciária. Em 2012 foi conseguido o financiamento (cerca de um milhão de euros) para o designado AFIS ( Automated Fingerprint Indentification Systems) ser ligado aos 27, mas só em finais de 2015 o projeto arrancou. Na prática, estas informações são na mesma partilhadas com as autoridades de outros países que as solicitem, via cooperação internacional, que funciona na PJ ininterruptamente, mas não de forma automático, nem célere, como foi determinado em Prum e como exigem as investigações dos crimes em causa.

A base do registo de veículos tem cerca de seis milhões de matrículas, está no Instituto de Registos e Notariado e, segundo o ministério da Justiça, também são partilhados pela cooperação policial e judiciária já existentes, "que funcional com plena eficácia, em casos de urgência". A ligação à rede europeia, designado programa Eucaris, estará operacional "em poucos meses".

A base de dados dos perfis de ADN é partilhada desde 2011, mas o número de registos é muito reduzido. A funcionar desde 2010, se as previsões avançadas na altura se tivessem concretizado, já deveria ter nesta altura, pelo menos 42 mil registos. Mas só tem pouco mais de oito mil. A título comparativo, França tem mais de um milhão e Espanha cerca de 800 mil. Portugal tem a lei mais restritiva da UE e só os condenados, se permitirem, podem ter o seu perfil de ADN ali registado. No ano passado houve 134 pedidos consulta da UE, com a Alemanha a fazer mais pedidos.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Nuno André Ferreira/LUSA