Só 6 mil têm testamento vital. Governo queria 20 mil em seis meses

Governo vai apostar em campanhas de divulgação para que mais pessoas escolham os tratamento que pretendem vir a ter

Desde julho de 2014, apenas 6190 portugueses preencheram o testamento vital, um número que fica muito aquém das expectativas, pois esperava-se 20 mil registos nos primeiros seis meses após a aprovação da lei. Embora nos últimos meses se note um crescimento acentuado, não é significativo o número de utentes que expressaram quais os cuidados de saúde que querem receber caso fiquem impossibilitados de decidir. Essa baixa adesão terá levado a Assembleia da República a aprovar uma resolução do CDS-PP, que recomenda ao Governo uma campanha de divulgação do documento. Contactados pelo DN, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde reconhecem que há falta de informação sobre o testamento vital e adiantam que está a ser desenvolvida uma estratégia de comunicação multicanal.

Nos primeiros seis meses de funcionamento do Registo Nacional de Testamento Vital (Rentev), os SPMS esperavam que perto de 20 mil pessoas assinassem diretivas antecipadas de vontade. "Essa estimativa foi feita à volta do número de testemunhas de Jeová em Portugal [cerca de 50 mil ], porque se assumiu que uma grande parte iria fazer o testamento vital, devido à questão das transfusões de sangue. Mas não o fizeram", explica Henrique Martins, presidente do concelho de administração dos SPMS.

Embora a adesão seja baixa face ao esperado, cresceu significativamente nos últimos meses, já que, em março, apenas 2201 pessoas se tinham manifestado sobre os tratamentos que querem receber caso venham a ficar incapazes de o expressar verbalmente. Para Henrique Martins, uma das explicações para este crescimento poderá residir no facto de terem sido "reativados os contactos" com as testemunhas de Jeová em setembro, o que poderá ter levado a um aumento da divulgação do testamento vital na comunidade. "Mas terá mais a ver com a discussão à volta da eutanásia e dos cuidados paliativos", ressalva. Por último, o presidente dos SPMS refere uma maior visibilidade da área do testamento vital na área do cidadão do portal do SNS.

Henrique Martins acredita que "se mais pessoas soubessem" que o testamento vital existe, "mais pessoas o teriam feito". Reconhece, portanto, que existe um "problema de comunicação" do projeto. Ao DN, Isabel Neto, deputada do CDS-PP e médica, explicou que a "baixa adesão" foi uma das razões pelas quais foi feita a recomendação de divulgação ao Governo. "Percebemos, em colaboração com a comunidade científica, que há muitos portugueses que não sabem o que é o testamento vital. É preciso dar a conhecer", referiu. Na área oncológica, por exemplo, Isabel Neto diz que "muita gente continua a fazer tratamentos achando que se vai curar, quando está apenas a fazer tratamentos paliativos. Há expectativas irrealistas." Para a médica, "é fundamental que se façam campanhas de divulgação para que as pessoas se envolvam mais" na decisão sobre os cuidados de saúde que pretendem receber.

A falta de informação é também apontada por Vítor Veloso, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro: "Se não houver uma divulgação massiva, os índices vão continuar a ser baixos." Além disso, o responsável diz que "nos países latinos, as pessoas não gostam de se preparar para este tipo de situações".

Campanhas previstas

Na opinião de Henrique Martins, é necessário reforçar a divulgação do portal do SNS e do testamento vital. "Não é uma coisa que se faz em fim de vida. É um direito que está disponível para os portugueses", frisa, acrescentando que "há muita gente que não sabe o que é e para que serve". Destacando que "é curta a verba" de que dispõe para a comunicação, o presidente dos SPMS diz que uma das ações previstas para este ano "é tornar o testamento vital disponível na app da carteira eletrónica da saúde", o que permite ao utente andar sempre com o documento. Outra é usar a aplicação do SNS para "comunicar o que é" o testamento vital. A estratégia passa, ainda, pela distribuição de flyers, colocação de roll-ups e cartazes em várias instituições de saúde.

Dentro da comunidade Jeová, não haverá falta de informação acerca do tema. É essa a convicção de Joel Neto, representante das testemunhas de Jeová. "Na comunidade, não sinto que haja ignorância a respeito deste assunto. É uma questão pessoal. Ninguém está obrigado a fazê-lo", diz ao DN. Por isso mesmo, justifica, não existe uma estimativa em relação ao número de pessoas que pode vir a registar o documento.

Falta acompanhamento

Segundo Isilda Pegado, a Federação Portuguesa pela Vida não tem uma posição contra o testamento vital, mas considera que a lei portuguesa "não é a melhor". Contactada pelo DN, a presidente da federação diz que "há falta de exigência no acompanhamento que deveria ser feito para elaboração do documento". E questiona: "A pessoa sabe o que está a fazer?". Essa será uma das razões pelas quais a adesão é baixa. Mas há outra: "Há uma mentalidade de confiança no que os médicos fazem em Portugal".

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Artur Machado/Global Imagens