Empresas em dificuldades têm regras mais apertadas para negociar dívidas

Pessoas singulares deixam de poder aceder ao Processo Especial de Revitalização. Pedido tem de ser feito por 10% dos credores.

O Processo Especial de Revitalização, o mecanismo que permite aos devedores em situação economicamente difícil ou em situação de insolvência iminente negociar com os credores um plano de recuperação, vai ter novas exigências. O Governo considera “prioritário” criar condições que contribuam para a “sobrevivência de empresas economicamente viáveis” e, por isso, vai apertar a malha no acesso ao PER. A partir já do próximo ano, este mecanismo estará vedado às pessoas singulares que, só no primeiro trimestre do ano, representaram mais de 72% dos processos. Mas não só. Uma empresa que pretenda recorrer ao PER terá de apresentar, logo à cabeça, uma proposta de plano de revitalização, bem como uma declaração de um revisor oficial de contas ou de um contabilista certificado atestando que não está insolvente. E, para pôr fim a abusos, o acordo de recurso ao Processo Especial de Revitalização terá de ser subscrito por credores que representem, pelo menos, 10% dos créditos não subordinados, de acordo com as linhas do novo desenho que está a ser preparado pelo Ministério da Justiça .

“São medidas que vêm agilizar e credibilizar o Processo Especial de Revitalização, ao exigir uma maior responsabilização de quem se apresenta a este processo. Deixa de poder ser um único credor a requerer o PER e deixam de poder ser os acionistas, os gerentes ou pessoas especialmente relacionadas com as empresas a fazê-lo”, diz Helena Soares de Moura, advogada da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados e especializada em recuperação de empresas. A sociedade promove amanhã um debate intitulado Processo Especial de Revitalização – Que Futuro, no qual as alterações ao PER estarão em foco. Reservar o PER exclusivamente para as empresas “é uma boa medida”, defende Helena Moura, considerando que os particulares em dificuldades para pagar as suas dívidas têm outros mecanismos na lei a que recorrer. “As empresas são as que mais precisam disto”, defende. O administrador judicial Jorge Calvete é mais prudente: “O plano de pagamento judicial exclui devedores com créditos superiores a 300 mil euros e pode não ser necessário muito para que um particular tenha dívidas superiores a 300 mil euros se tiver sido avalista de uma empresa e tiver um crédito à habitação elevado. É uma lacuna que tem que ser revista e tem que haver uma solução”, defende o administrador judicial, para quem, independentemente do volume de passivo, faz sentido que as pessoas singulares tenham acesso a processos de recuperação. Criar uma plataforma nacional de ativos empresariais em processo de insolvência, de uso obrigatório, evitando a degradação do seu valor; e flexibilizar acordos com Fisco e Segurança Social, com pagamentos em prestações, períodos de carências, perdão de juros, etc. são outras das propostas. As alterações ao Processo Especial de Revitalização inserem-se no âmbito do Programa Capitalizar, através do qual o governo de António Costa assume pretende intervir em áreas estratégicas como a simplificação administrativa e enquadramento sistémico, a fiscalidade, a alavancagem de financiamento e investimento, a dinamização do mercado de capitais e a reestruturação empresarial. O Governo elencou já 64 medidas de intervenção nestas cinco áreas estratégicas e que serão vertidas em projeto de lei, ao longo do próximo ano. “Para já só conhecemos as linhas orientadoras das alterações que o Governo pretende introduzir, mas não sabemos, em concreto, como será a lei”, lembra Jorge Calvete. E se é verdade, reconhece, que o PER é, atualmente, utilizado de “forma indiscriminada”, por empresas em insolvência iminente, mas também por outras já muito pouco recuperáveis, Jorge Calvete admite que exigir um relatório prévio de um técnico oficial de contas a atestar que a empresa não está insolvente “é mais honesto do que aquilo que acontece hoje”, mas mantém as suas reservas. “Concordo com os princípios, estão corretos, falta saber como vão ser aplicados, designadamente quais vão ser os critérios de recuperabilidade de uma empresa. Porque uma empresa pode ter dívida vencida, mas estar envolvida num concurso que lhe dá fortes perspetivas de recuperabilidade. Na verdade, a questão é saber se se vai olhar exclusivamente para o passado ou se também para o presente e para o futuro”, defende. Para Jorge Calvete, o PER deveria “ser muito mais seletivo” para reintroduzir “credibilidade” numa ferramenta que hoje está “descredibilizada” porque “qualquer um” lhe tem acesso. Nuno Gundar da Cruz, também advogado, concorda que o objetivo das alterações é, precisamente, clarificar, colmatar lacunas da lei e combater abusos. “Se uma empresa já não é recuperável deve subir à insolvência, processo que, pela sua estrutura, protege muito mais os credores”.

Fonte: Dinheiro Vivo
Foto: Igor Martins/Global Imagens