Nova lei fez aumentar em mais de 50% processos contra menores

Dispensa de queixa da vítima levou a aumento de 53,7% dos inquéritos contra menores dos 12 aos 16 anos em 2015. Mas os crimes investigados são menos graves. Subiram penas como os cursos e o trabalho comunitário

Um rapaz de 13 anos responsável por um grande incêndio no concelho de Vouzela em agosto de 2015 foi condenado a frequentar um curso de um ano ministrado por técnicos da Direção Geral de Reinserção Social para perceber os danos sociais e pessoais que um incêndio pode causar. Esse jovem foi um dos visados num dos 4137 inquéritos contra menores em 2015, mais 53,7% de casos do que no ano anterior.

No setor da Justiça há a certeza de que a nova lei tutelar educativa - que entrou em vigor em fevereiro de 2015 e veio dispensar de queixa da vítima a investigação dos crimes praticados por menores - é a causa principal para esse aumento de processos.

Os furtos em supermercados - que muitas vezes ficavam impunes por as grandes superfícies não apresentarem queixa - ou as agressões entre jovens, são alguns dos exemplos de ilícitos que passaram a ser investigados bastando, para isso, qualquer pessoa dar conhecimento à polícia ou ao Ministério Público. "Crimes praticados por menores passaram a ter tratados pelas autoridades policiais e judiciais como se tivessem natureza pública", como explicou ao DN o juiz António Fialho, da secção de Família e Menores do Barreiro.

No primeiro semestre deste ano já entraram 3182 inquéritos contra menores nos tribunais: a manter-se a este ritmo, irá superar o total de casos de 2015. Os furtos, roubos e agressões continuam a ser os crimes mais praticados por jovens.

Na secção de Família e Menores do Barreiro, da comarca de Lisboa, entram 15 a 20 processos por mês num total de 150 inquéritos entrados já este ano (até à presente data). "Desses apenas 41 seguiram para julgamento com propostas de medidas que não o internamento em centros educativos", explicou António Fialho.

O que se passa naquela secção acontece a nível nacional: os processos entrados contra menores no último ano e meio dizem respeito a ilícitos menos graves e por isso os internamentos em centros educativos baixaram e subiram outras medidas tutelares como a frequência de cursos, o trabalho comunitário ou a suspensão do processo.

Diminuíram os internamentos

Prova da menor gravidade dos crimes praticados por jovens até aos 16 anos é que diminuíram substancialmente as penas de internamento em centros educativos, aplicadas aos casos mais gravosos como tráfico de droga, agressões qualificadas ou roubos muito violentos com uso de armas. Baixaram de 128 casos em 2014 para 90 em 2015 (menos 29,6%).

"Mais do que o efeito da nova lei temos também nestes números o reflexo de uma década de modificação da cultura judicial em relação a estes casos. Estávamos muito mais direcionados para a proteção dos jovens em perigo e esqueciam-se os pré-delinquentes. O sistema parecia estar à espera que fizessem 16 anos para atuar", comenta o advogado Fernando Silva, especialista em Direito de Família e Menores. Por outro lado, sublinha, "uma das inovações da lei foi prever o acompanhamento dos jovens depois da saída dos centros educativos".

Fernando Silva já foi advogado de vários menores que acabaram internados em centros educativos e não se recorda de casos positivos depois de cumprida a pena. "São preferíveis penas como o trabalho a favor da comunidade ou a frequência de cursos, em que a própria comunidade é envolvida na educação do jovem".

Suspensões aumentaram

O Ministério Público decretou a suspensão do processo em 276 casos em 2015 (aumento de 30,18%) e no primeiro semestre deste ano já vai em 304 suspensões. O processo é suspenso mediante a imposição de regras ao jovem. Só é possível em crimes pouco graves como pequenos furtos.

"Na lei anterior a suspensão do processo tinha de ser requerida pelo jovem ao Ministério Público (MP). A maior parte dos defensores dos menores não a pedia porque não sabia disto. Com a alteração da lei em fevereiro de 2015, o MP passou a ter a incumbência de pedir a suspensão do processo nos casos em que ela se justifica", explicou o juiz António Fialho. Mas a medida que mais subiu foi a frequência de programas formativos - de 36 casos em 2014 para 52, num aumento de 44,4%. O incendiário menor de Vouzela foi um dos casos.

Fonte: Diário de Notícias