Procriação: nova lei pode aumentar listas de espera

Especialistas temem que o único banco público de gâmetas do país seja insuficiente para dar resposta às beneficiárias de PMA que Marcelo Rebelo de Sousa promulgou

Na melhor das hipóteses, abre-se em outubro a porta da procriação medicamente assistida (PMA) a mulheres solteiras e/ou sem parceiro masculino. A lei foi promulgada pelo Presidente da República, ao mesmo tempo que vetou outra: as barrigas de aluguer. Quando a defendeu na Assembleia da República, em abril, o deputado Moisés Ferreira falava de "um longo caminho a fazer", para acabar com a lei vigente, que considerava discriminatória: "A lei atual diz que só podem recorrer a técnicas de PMA mulheres que estejam casadas ou vivam em união de facto com um homem. Exige ainda um diagnóstico de infertilidade. A atual lei discrimina, como se vê, em função da orientação sexual e do estado civil, e a exigência do diagnóstico de infertilidade serve apenas para blindar as normas discriminatórias."

Aprovada por maioria no Parlamento, com os votos favoráveis de PS, BE, PCP, PEV, PAN e 16 deputados do PSD (o CDS e os restantes social-democratas votaram contra), acabaria por ser promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa. Mas está longe de ser consensual na sociedade e entre a classe médica ligada a esta área.

A par de Eurico Reis, do Conselho Nacional para a PMA, também Ana Teresa Almeida Santos, diretora do serviço de Coimbra e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, manifestou ao DN dúvidas sobre a forma como o Serviço Nacional de Saúde vai aplicar, na prática, esta lei. "O único banco de gâmetas que temos não tem capacidade de resposta. Com a estrutura atual é impossível", disse, embora acredite que nos próximos meses a situação se inverta. "Temos de dar tempo e espaço para as pessoas se habituarem, a lei tem agora um prazo para ser regulamentada. O Ministério da Saúde tem de estabelecer prioridades, pois as novas beneficiárias irão engrossar as listas de espera." De resto, aquela responsável da PMA na zona centro acredita que há outro caminho a fazer:

"Temos também de incentivar a doação de gâmetas, ou então a lei é ineficaz."

Eurico Reis percebe as mudanças que uma alteração destas vai trazer a todo o sistema. O CNPMA antecipou-se entretanto à promulgação da lei e apresentou uma proposta, "para que as mulheres sem parceiro masculino - que não são doentes - paguem o custo do tratamento e esse dinheiro, em vez de ser diluído no Orçamento Geral do Estado, seja canalizado diretamente para os centros públicos de PMA, para eles terem mais meios, para poderem fazer os tratamentos, quer às pessoas saudáveis (que agora o vão poder fazer) quer às pessoas doentes. Isto parece-me uma solução extremamente equilibrada", avançou ao DN, enfatizando que "essa é também uma forma de as mulheres que não são doentes serem solidárias com as suas "irmãs" que são doentes".

Aumentar a natalidade

Num país com o decréscimo de natalidade como Portugal, essa poderá ser "mais uma forma de combater o problema", entende Eurico Reis. "Na situação em que estamos, todos os meios são vitais e têm de ser concretizados. A natalidade em Portugal está a atingir valores alarmantes", sublinha, certo de que o diploma poderá ajudar a inverter esse sentido. Contudo, alerta: "A quebra da natalidade tem razões psicológicas e sociais que são muito fortes. Se calhar a sociedade tem mesmo de começar a pensar se não tem de criar formas para garantir que as mulheres entre os 25 e os 35 anos (a melhor idade para ter filhos, em termos físicos e psicológicos), permitindo-lhe mais tarde retomar as suas carreiras sem qualquer penalização."

Menos entusiasmado com a decisão revela-se Alberto Barros, conhecido especialista na área da PMA, no setor privado. "Respeito a decisão, mas perturba-me a ideia de ter alterações à lei de 2006 no sentido de abrir a PMA a indicações de carácter não médico", disse. Compreende a complexidade, em muitas situações, "no sentido de que é proibido proibir", mas não esconde o lamento. Já o deputado Moisés Ferreira quer acreditar "que em 2016 Portugal deixará de obrigar mulheres a irem a Espanha para engravidar; queremos que o país reconheça a todas as mulheres o direito ao seu projeto de parentalidade. Pois, se esse é um desejo seu, porque não reconhecer-lhes o direito a concretizar esse desejo?"

Fonte: Diário de Notícias
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