Governo quer criar um “mini-SEF” com a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras

As principais competências serão a de controlar fronteiras aéreas, cuidar do retorno dos imigrantes com ordem para deixar o território e fiscalizar os estrangeiros no país. O resumo é simples, mas a aplicação não.

O assunto surgiu publicamente quando o Governo do PSD anunciou o Plano de Ação para as Migrações, em junho. Entre as 41 medidas, estava a de criar a “Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP”. A proposta, discutida na generalidade na passada sexta-feira no Parlamento, não teve apoios das bancadas e foi criticada por diferentes motivos, da esquerda à direita. Para evitar um chumbo, o projeto baixou à primeira comissão sem votação, com primeira análise agendada para o fim da tarde de hoje na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Mas, a que se refere exatamente este diploma do Governo? Chamada inicialmente Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF), o novo departamento agora é a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF). As principais competências serão a de controlar fronteiras aéreas, cuidar do retorno dos imigrantes com ordem para deixar o território e fiscalizar os estrangeiros no país. O resumo é simples, mas a aplicação não. Isto porque a mesma proposta de lei inclui outras alterações interligadas com o controlo de fronteiras. O resultado disto é que são necessárias mudanças em, pelo menos, duas leis e dois decretos-lei relacionados com a Polícia de Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR) e Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Quanto ao seu objeto principal, a UNEF é definida como “uma unidade especializada no âmbito das missões da PSP em matéria de estrangeiros, fronteiras e segurança aeroportuária, composta por serviços centrais e serviços desconcentrados”. As competências começam por “vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aéreas, assim como a circulação de pessoas nestes postos de fronteira”. Em 25 itens, são descritas as demais atribuições, como a de fiscalizar os cidadãos estrangeiros - algo que já ocorre na prática, tanto por parte da PSP quanto pela GNR.

No item a seguir está a principal mudança: “instruir e gerir os processos de afastamento coercivo, expulsão, readmissão e retorno voluntário de cidadãos estrangeiros, bem como elaborar normas técnicas com vista à uniformização de procedimentos.” Atualmente, a AIMA é a responsável por esse serviço.
Antes da criação da agência, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tinha a atribuição. O antigo Governo dedicou esta responsabilidade justamente à AIMA para que tivesse um caráter “humanista”. No entanto, várias fontes admitem ao DN que “não fazia sentido” e que “não correu bem”.


Gerir os Centros de Instalação Temporária
Além da instrução e execução das expulsões de imigrantes irregulares (incluindo tratar da viagem de avião para o país de origem), a PSP vai gerir as contraordenações na matéria, registar e atualizar estes casos numa base de dados e, ainda, gerir os Centros de Instalação Temporária e os espaços equiparados. Esta última atribuição já é realizada no Aeroporto de Lisboa, num arranque de atividades, no fim do ano passado, que gerou críticas pelo tratamento dado aos requerentes de asilo, que dormiam no chão.

As demais competências são diversas, como a atribuição de vistos nas fronteiras aéreas, promover operações policiais conjuntas e representar Portugal em instituições internacionais e da União Europeia (UE) em matéria de fronteiras aéreas e migrações - algo também da atribuição da GNR. Há ainda a responsabilidade de coordenar o Centro de Operações Marítimas (Comar) da Marinha Portuguesa, “designadamente no atinente às operações de busca e salvamento, o intercâmbio das informações relacionadas com a entrada, permanência e saída do território nacional” e, sem prejuízo das competências da GNR, que também atua na matéria.

O mesmo texto está noutra parte da proposta, que designa exatamente o mesmo para a GNR. Uma fonte disse ao DN que este item “irritou” alguns membros da Marinha e da GNR, por supostamente não terem sido consultados previamente sobre o assunto. Por fim, no último item das competências lê-se: “Exercer as demais atribuições que lhe sejam cometidas.” Mas não só. Uma novidade é o acréscimo das palavras “grau de risco migratório” para o envio de oficiais de ligação para outros países - termos que não existiam na orgânica do SEF, muito menos na AIMA.
É acrescentado um item no artigo sobre investigação. A Polícia Judiciária (PJ) alega não ter acesso total à base de dados da PSP, o que dificulta o trabalho de investigação, enquanto a PSP alega que os dados são partilhados.


O Governo adicionou o item que determina a cooperação. “Com o objetivo de prevenção e investigação dos crimes previstos no presente capítulo, a PSP, a GNR e a PJ devem cooperar e partilhar informações em todas as matérias que relevem da prevenção e combate à imigração ilegal e ao tráfico de seres humanos.”
De forma geral, a orgânica desta unidade é bastante semelhante à que tinha o extinto SEF - extinção à qual o PSD se opôs, na altura, tentando agora recriá-lo, de certa forma, dentro da PSP. A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia batizou a UNEF de “SEF low-cost”.

25 milhões de euros
O mesmo texto enviado ao Parlamento detalha o Sistema de Entrada/Saída (SES), que vai registar informaticamente os dados das entradas e saídas, e os dados das recusas de entrada de nacionais de países terceiros aquando da passagem das fronteiras externas dos Estados-Membros. O investimento do Governo nesta matéria é de 25 milhões de euros e faz parte de uma obrigação de Portugal com o Acordo Schengen.

Esta etapa atualmente é realizada de forma manual, com o carimbo nos passaporte dos viajantes. Com a informatização - cujo início da instalação ocorreu há semanas - o país estará “melhorando a eficácia e a eficiência do controlo nas fronteiras externas do Espaço Schengen, e contribuindo para a luta contra o terrorismo e a criminalidade grave”. Além da recolha de dados de identificação, será efetuada a recolha dos dados datiloscópicos da mão direita ou esquerda e outras informações, a depender do motivo da passagem pelo país. Por fim, na proposta consta um capítulo adicional em que é “concedida autorização legislativa ao Governo” para uma série de ações, tais como alterações na Lei dos Estrangeiros, na Lei do Asilo e na Lei de Segurança Interna.

Este capítulo gerou críticas da bancada do PS, que afirmou não ser possível votar favoravelmente, por considerar a proposta “inconstitucional”. Segundo o deputado e professor de Direito Pedro Delgado Alves (PS), este pedido “não cumpre a Constituição porque é excessivamente vago: devia obrigatoriamente identificar o sentido e extensão das alterações propostas, e não o faz. Ficaria apenas um cheque em branco, sem que se perceba o que o Governo vai alterar”, explica ao DN. O mesmo parlamentar também afirma que não foi enviado o anteprojeto do decreto-lei, o que é necessário pelas normas da Assembleia.

Na discussão da semana passada, Pedro Delgado Alves foi o único a falar sobre os detalhes da lei. “Nós demo-nos ao trabalho de ler”, ironizou. O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, manifestou “toda a abertura” para “encontrar uma solução que funcione”.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: André Luís Alves