Crimes contra crianças e jovens a subir. APAV apoiou 3066 menores em um ano

Associação de Apoio à Vítima (APAV) registou mais de 10 mil crimes contra menores de idade no período compreendido entre 2022 e 2023, um aumento de 18,2%. Violência doméstica (62,6%) e crimes sexuais (30,3%) são os comportamentos violentos mais comuns nas queixas apresentadas.

O ano passado chegaram diariamente à Associação de Apoio à Vítima (APAV) oito pedidos de ajuda por parte de crianças e jovens vítimas dos mais variados tipos de crime, tendo a associação dado apoio a 3066. Em 2022 tinham sido 2595 os menores que receberam ajuda - registou-se, assim, um aumento de 18,2%.

Os dados referem-se aos processos de apoio desenvolvidos presencialmente, por telefone, e-mail e online no período compreendido entre 2022 e 2023, mas a totalidade dos crimes cometidos ultrapassa os 10 mil. Chegaram ao conhecimento da APAV um total de 10.271 crimes e outras formas de violência contra crianças e jovens. Entre os comportamentos violentos destacam-se a violência doméstica (62,6%) e os crimes sexuais (30,3%).

O bullying é o terceiro tipo de violência mais cometido (1,7%). Segue-se o abuso sexual de menor dependente ou em situação particularmente vulnerável (1,6%), a violação (1,5%), a importunação sexual (1,2%), o aliciamento de menores para fins sexuais (1,1%), a pornografia de menores (1,1%), a ameaça/coação (0,9%) e a coação sexual (0,8%). Os com menor expressão são os maus-tratos/violência institucional, a difamação/injúria, a violação da obrigação de prestação de alimentos, o cyberbullying e o tráfico de pessoas.

Ao DN, Carla Ferreira, da APAV, explica que a maioria dos casos reportados são de violência doméstica, mas alerta para o elevado número de crimes sexuais. “Três em cada 10 crimes são de natureza sexual.” Ou seja, destes mais de 10 mil, são 30%. “E cerca de 50% deste tipo de crime são praticados por familiares”, sublinha.

Questionada pelo DN sobre a justificação do aumento do número de crimes - “uma tendência crescente ao longo dos últimos anos” -, diz acreditar dever-se a “uma maior sensibilidade das pessoas que pedem ajuda”. “Há muita criminalidade oculta e está cada vez mais a sair desta obscuridade para o espaço público”, fundamenta.

Para a responsável, chegarem à APAV oito novos casos por dia de violência cometida contra menores é muito preocupante. “Uma criança é sempre uma criança, e isto deve preocupar-nos e devemos capacitar as pessoas para que estes números sejam cada vez mais conhecidos”, alerta, sublinhando que estes dados não refletem a realidade. “A diferença entre os casos que apoiamos e os que são cometidos é superior. Não devemos pensar nos números por si só, mas em tudo o que está em redor e o que não se sabe. Há, de certeza, muitos mais casos. São as chamadas ‘cifras negras’. Diria que conhecemos talvez um terço das situações e esta é uma estimativa por cima”, revela. As denúncias, explica ainda Carla Ferreira, “vêm muitas vezes acopladas em contexto de violência doméstica no agregado familiar”.

Quando a APAV recebe os pedidos de auxílio, verifica se já foi feita queixa nas autoridades, faz uma avaliação de risco e uma “avaliação subjacente”, para verificar possíveis represálias ou possibilidade de tentativa de suicídio. “Avaliamos também as necessidades de que as crianças possam precisar, como acompanhamento judicial, psicológico, entre outras. Usam-se estes vetores para desenhar um plano de ação, sem esquecer a intervenção em parceria com outras entidades. Tem de haver uma ação conjunta, com autoridades policiais, sistema de saúde e sistema escolar.”


Perfil das vítimas e dos agressores
A maioria dos menores vítimas de crimes são do sexo feminino (60,7%), de nacionalidade portuguesa (80,1%) e têm entre 11 e 14 anos (31,5%). No que se refere à faixa etária, esta também pode não refletir totalmente a realidade, como explica a responsável: “Apesar de ser essa a faixa etária das crianças quando nos procuram, muitas já viveram situações de violência antes. É com esta faixa etária e o nosso trabalho nas escolas que as crianças começam a perceber que coisas que se passaram ou ainda se passam são situações de violência. Por isso nem todas estas crianças são vítimas nessas idades, algumas foram antes e de forma reiterada.”

Cerca de 33% desses menores sofrem de violência continuada ou não continuada (13,9%), mas há 53,2% em que o “perfil da vitimização é desconhecido”. O local da violência é a residência comum em quase metade dos crimes, sendo que 61,2% das vítimas denunciam os crimes e 19,5% não o fazem.

O agressor é maioritariamente do sexo masculino (60,1%), com idades compreendidas entre os 36 e os 45 anos, e apenas 10% do sexo feminino, havendo uma percentagem de casos dos quais a APAV desconhece o sexo do ofensor. Nas estatísticas divulgadas ao DN pela associação, verifica-se também que um elevado número de vítimas é filho ou filha do agressor ou agressora (35,7%). No estudo, a APAV revela também que a percentagem de autores(as) menores de idade subiu 4,1%, passando de 108 em 2022 para 123 em 2023.

É nos distritos de Faro (26,8%), Lisboa (14,8%), Braga (10,8%) e Porto (9,1%) que residem as crianças e jovens que mais procuraram a APAV entre 2022 e 2023. A incidência maior nessas zonas do país passa, segundo Carla Ferreira, pela dimensão dos distritos e “as sinergias com as entidades que colaboram de forma próxima com a APAV, o que motiva este aglomerado de pedidos de ajuda”.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Lourdes Balduque