O Papel do JIC no Processo Penal - Patrícia de Jesus Monteiro
Assiste-se, hoje em dia, à polémica discussão sobre o poder do Juiz de Instrução Criminal (JIC). Este é o titular do órgão de soberania Tribunal, ou seja, aquele que tem o poder de pronunciar, subsumindo os factos ao Direito in casu penal.
Importa frisar, que a figura do JIC é, e deve ser cada vez mais, a salvaguarda do interesse público, com vista à prevenção da criminalidade. As tensões surgem devido à existência dois juízes de instrução polémicos em Lisboa com posições divergentes nas suas decisões instrutórias, causando na opinião pública a ideia de que as decisões têm uma dimensão pessoal. Trata-se de uma polarização da atenção sobre dois magistrados, nomeadamente, em megaprocessos, cada um com a sua própria personalidade e suas particularidades de tramitação processual que, com o atual mediatismo (dinâmico e ao minuto), colocou em causa a imparcialidade exigida pela Justiça. Alerta-se os cidadãos para vincar que estamos numa fase intermédia do processo penal, muitas vezes susceptível de alterações futuras.
Nesta fase, instrução, a aplicação das medidas necessárias está sujeita ao princípio da proporcionalidade que deve estar subjacente a todas as decisões do Juiz de Instrução Criminal (JIC).
Para este efeito, o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) de Lisboa, a atuar desde 1999, foi criado com a competência de instruir criminalmente os processos com atividade criminosa, grave ou altamente organizada, e tem jurisdição em todo o território nacional.
O JIC sempre foi visto como o “juiz das liberdades”, aquele que verifica se as normas legais foram e estão a ser cumpridas, de maneira a acautelar as restrições fixadas pela Constituição às autoridades judiciárias, no que respeita aos direitos das pessoas e à presunção de inocência.
Por outro lado, a Justiça tem sofrido bastante com a perceção do cidadão na medida em que o desconhecimento técnico cria dificuldades de interpretação no cômputo geral. O Tribunal, como espaço de centralidade da coesão social, é porventura o mais importante num Estado de Direito democrático. E se, em certas circunstâncias, um JIC aparece sempre envolvido nas buscas, nas acusações, numa mistura que o cidadão não percebe muito bem, ele não está no bom caminho. Isto gera uma confusão na opinião pública.
Na verdade, pode-se ser acusado o arguido desde que existam indícios suficientes da possibilidade razoável de ao agente vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança. Existem na lei pressupostos bem definidos que obrigam a que haja prova indiciária, que possa conduzir a um certo grau de certeza que leve o Ministério Público (MP) a um determinado ato, o qual tem de ter na sua base uma investigação que o fundamente. Será que, em bom rigor, é sempre realizado assim?
A tendência do poder da investigação estar totalmente centrado no MP mitiga a posição do JIC, o que na verdade, coloca em causa os direitos fundamentais do arguido, tornando-se o objeto do processo e não a causa violando assim todo o pressuposto do sistema do processo penal.
No entanto, a situação judicial que se tem vivido até ao momento é de grande preocupação na gestão dos megaprocessos na área penal, especialmente complexos, gerando um sentimento de “impotência do sistema e uma necessidade de se legislar de forma maturada, nomeadamente sobre o enriquecimento injustificado” tal como referiu o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Existem problemas organizativos e gestionários de Tribunais e de processos que colocam em crise a célere tramitação destes processos.
Assim, o Governo redefiniu um conjunto de medidas legislativas a adotar para implementar a estratégia anticorrupção que, de acordo com a Senhora Ministra da Justiça, “é necessário agir a montante do fenómeno e prevenir as práticas corruptivas”. A ideia principal da proposta de lei do Governo é “A fusão, no Tribunal Central de Instrução Criminal, das competências nacionais que, já são suas, com as competências próprias do juízo de instrução criminal de Lisboa, com o consequente aumento do número de magistrados afetos ao primeiro, é a solução que surge como sendo a mais adequada a garantir a racionalização de meios necessária ao combate mais qualificado à criminalidade económico-financeira, mas também o reforço da confiança dos cidadãos", é a ideia principal da proposta de lei do governo para dar resposta a esta polémica. Para além disso, o Governo considerou ainda que “era preciso instituir um sistema que permite a avaliação efetiva do grau de resposta e eficiência e da capacidade de resposta das várias instituições que estão vocacionadas para a matéria”, tanto no setor público como no privado, bem como alterar a perceção pública sobre os crimes de corrupção.
Em termos de processo penal, à luz do disposto no artigo nr. 286.º e ss. do Código de Processo Penal (CPP), a Instrução é uma fase facultativa do processo comum em processo penal, dirigida pelo juiz de instrução, através da qual se decide se o inquérito deve ser arquivado ou se, ao invés, deve ser submetido a julgamento. Inicia-se com o requerimento para abertura de instrução (apresentado pelo arguido ou pelo assistente, no prazo de 20 dias após a notificação da acusação ou do despacho de arquivamento do inquérito), que pode ser rejeitado nos termos do n.º 3 do artigo 287.º do CPP ou proferido despacho de abertura de instrução, o qual é notificado ao MP, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor.
A instrução é constituída por atos que o juiz entenda levar a cabo, sendo apenas obrigatória a realização de debate instrutório. No que respeita à realização destes atos, alguns são da competência exclusiva do juiz de instrução. O debate instrutório é dirigido pelo juiz de instrução, no qual podem participar o MP, o arguido (e o seu advogado) e “visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.” (artigo 298.º do CPP).
A fase de instrução finda com a elaboração de decisão instrutória, que pode corresponder a um despacho de pronúncia (o juiz entende que se verificam os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, razão pela qual se justifica submeter o arguido a julgamento) ou um despacho de não pronúncia (não se verificam tais pressupostos, razão pela qual não se justifica submeter o arguido a julgamento).
Quanto a esta fase facultativa da instrução dos processo-crime, no atual contexto, o Juiz Conselheiro ressalvou que esta "deveria ter um recorte diferente" de forma a "tornar o processo mais ágil e evitar que a mesma se torne num pré-julgamento ou num contra-inquérito".
Acredito que com tanto mediatismo da fase da instrução e do papel do JIC nos megaprocessos, seja necessária e urgente uma intervenção do legislador, no sentido de integrar o JIC dentro da estrutura do processo penal como um todo e não como papel estanque dissociador da posição do MP e do Juiz(s) de Julgamento.
Patrícia de Jesus Monteiro
Advogada
PJM ADVOGADOS