Comissão de Proteção de Dados não desiste. Pela 10.ª vez alerta para riscos da ‘lista negra’ da Segurança Social
No parecer ao OE2026, Comissão de Proteção de Dados apela a um equilíbrio entre o interesse público efetivamente visado e a garantia dos direitos fundamentais dos titulares dos dados.
Éa décima vez que a Comissão Nacional de Proteção de Dados avisa um Governo que a divulgação da ‘lista negra’ da Segurança Social pode ter efeitos perversos, com a informação a chegar a um público geral que pode, por exemplo, usar a informação para a construção de perfis, apelando ao Estado que repense ou densifique o mecanismo que volta a estar previsto no Orçamento do Estado para 2026 (OE2026).
No parecer ao OE2026, enviado ao Parlamento, a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, Paula Meira Lourenço, alerta para consequências nefastas da política adotada em nome da transparência contributiva e para os riscos da interconexão de dados na ausência de uma definição clara de responsabilidades.
Entre os pontos abordados inclui-se a legislação aplicada aos contribuintes devedores à Segurança Social, que permite a divulgação pública dos dados, naquela que é conhecida como a ‘lista negra’ da Segurança Social. O alerta não é original, é feito pela décima vez, tendo sido abordado em pareceres em 2005, 2006, 2016, 2018, 2019, 2020, e, “mais representativamente e sobre discussão similar a esta” em duas ocasiões em 2022 e uma em 2023.
“Uma coisa, pois, será a acessibilidade a um público determinado, de informação pessoal ao abrigo do interesse público, facultando-lhes informação de terceiros para um fim juridicamente admissível, outra a publicitação irrestrita dessas mesmas informações, a um público geral e com motivações que podem nada ter que ver com qualquer noção, mesmo que amplíssima, de segurança ou certeza jurídicas, descaracterizando a causa que possa permitir o seu uso, claramente se excedendo, no âmbito subjetivo, as meras interessadas contrapartes de negócio”, adverte.
É neste sentido que apela a que o Estado repense ou densifique este instrumento, para atingir um equilíbrio entre o interesse público efetivamente visado e a garantia dos direitos fundamentais dos titulares dos dados, prescrevendo “a adoção de medidas mitigadoras do seu impacto, capazes de garantir a finalidade visada, evitando usos indiscriminados ou estigmatizantes”.
“Não se deverá perder de vista que a divulgação de informação no mundo virtual pode permanecer muito para além do necessário ao cumprimento da finalidade da sua publicação, permitindo, de resto, a fácil disseminação e perpetuação dos dados pessoais, bem como a recolha, agregação, cruzamento, cópia e utilização indiferenciada, mais ou menos lícita, do que possa ter sido, em algum momento, lá colocado”, argumenta.
Acresce, aponta, que “a divulgação de dados pessoais na internet, por tudo quanto se disse, poderá potenciar ou facilitar a agregação de informação sobre pessoas no sentido de estabelecer perfis, muitas vezes suscetíveis de servir de meio de discriminação, não controlável, uma vez que se poderá permitir estigmatizar cidadãos como devedores e bem assim, servirem-se de razão para outros negócios da vida corrente ou da afirmação plena de cidadania e da sua dignidade, pela manipulação de que são capazes, que nada tem que ver com a ratio que lhes deu origem”.
A Comissão de Proteção de Dados recomenda também ao Governo “densificar o regime particular a aplicar-se” à consulta direta em processo de cobrança voluntária no âmbito de processo executivo, à mobilização de ativos e recuperação de créditos, à interconexão de dados entre entidades, serviços e organismos públicos ou outras instituições públicas com outras entidades, bem como à interconexão de dados entre Justiça, Finanças e Segurança Social.
Para alguns destes casos sugere mesmo a criação de um regime autónomo. Propõe ainda a avaliação sobre uma “eventual existência de categorias de dados especialmente protegidos, nomeadamente de saúde, a convocar o regime e tutela reforçada que lhe devem ser endereçados, e a realização de uma avaliação de impacto”.
Fonte: Eco