Criminalidade 2022. Homicídios, violação e extorsão em crescendo

O Relatório da criminalidade de 2022 apresentado ontem no Conselho Superior de Segurança Interna é um documento a dois tempos, que compara a criminalidade participada em 2022 com o ano anterior, como ditam as regras, mas também com 2019, excluindo os dois anos de pandemia. No global os números são mais positivos neste modelo, mas homicídios, violações, extorsões e a criminalidade grupal e juvenil cresceram em ambos os comparativos. E os serviços de informações detetaram jovens portugueses com "fascínio" pelo jihadismo.

Há poucos dias, o ministro da Administração Interna veio a público anunciar que em 2022 se tinha registado uma descida de 7,8% na criminalidade violenta e grave e um pequeno aumento de 2,5% da criminalidade geral. Quem estivesse menos atento pode não ter reparado que José Luís Carneiro inovava no modelo desde sempre usado para estas estatísticas e que consiste em comparar com o ano anterior. Ora o Ministro das polícias estava a fazer essa comparação com 2019, o ano pré-pandemia, excluindo os dois anos de 2020 e 2021 nos quais se verificou uma redução generalizada resultante dos confinamentos - o que não impediu, recorde-se, que o seu antecessor, Eduardo Cabrita, aproveitasse politicamente as descidas sublinhando serem "as maiores de sempre".

Isto porque José Luís Carneiro já tinha lido a versão provisória do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2022 que foi ontem apresentado no Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI) e fez a sua gestão política, antecipando-se à divulgação oficial das estatísticas que revelam números bem diferentes, em sentido oposto, com um aumento de cerca de 14% quer na criminalidade geral, quer na violenta e grave (um aumento que o MAI acabaria por reconhecer ontem através de comunicado, dando conta que o total de participações criminais em 2022 foi de 343 845, mais 42 451 que no ano anterior).

Na criminalidade violenta (que representa menos de 4% da geral) destaque para o aumento de homicídios consumados, para a extorsão, para as violações e para os roubos na via pública. As descidas mais significativas registaram-se nos roubos a farmácias, a bombas de gasolina e de viaturas.

Apesar de, comparativamente com 2021, ser a maior subida registada, com 14,4%, a criminalidade violenta e grave em 2022 registou o terceiro valor mais baixo em nove anos (2014 é o primeiro ano representado neste RASI) - 13 281 participações, mais 1667 do que em 2021. Só nos dois anos de pandemia e confinamentos, 2020 e 2021, houve valores mais baixos. Além disso, quer comparando com 2021, quer com 2019, houve mais homicídios, mais ofensas à integridade física graves, mais roubos na via pública e mais crimes de extorsão (chantagem).

Na criminalidade geral participada, houve mais casos de tráfico de droga, de furtos a lojas e de condução sob efeito de álcool com taxa superior a 1,2g/l.

No que diz respeito ao tráfico de droga, as autoridades apreenderam mais 65% de cocaína e mais 50% de haxixe, com cerca de sete mil detidos. No designado "grande tráfico", os serviços de informações afiançam que estes dois produtos são as maiores ameaças com que o país de depara.

O tráfico de cocaína, por via marítima ou aérea, e o tráfico de haxixe, por via marítima e mais concentrado na costa algarvia e vicentina. E avisam: "À semelhança do que tem vindo a ocorrer noutros países europeus, também em Portugal se tem registado um aumento de atos de violência entre pessoas associados ao tráfico de estupefacientes, o que constitui uma fonte de preocupação e de exigência acrescidas para as autoridades".

Criminalidade juvenil subiu 50%
O comparativo a dois tempos também não influenciou a confirmação do aumento da criminalidade grupal e juvenil que já se tinha verificado em 2021. Comparando com esse ano o crescimento é brutal: uma subida de mais de 50% na delinquência juvenil (jovens entre os 12 e os 16 anos); e de 18% da criminalidade grupal. Olhando para 2019, o aumento mantém-se, com valores menos volumosos mas a confirmarem a tendência de 2021: mais 13% na criminalidade grupal (tinha sido 7,7% no ano anterior); e mais 7,5% na criminalidade praticada por jovens (em 2021 tinha crescido 7,3%). De assinalar que estes dados dizem respeito aos casos registados pela PSP e pela GNR. De sublinhar também que de acordo com a Polícia Judiciária (PJ), que investiga os casos mais violentos, designadamente os homicídios consumados e tentados, a escalada de violência estará a abrandar.

Conforme o DN noticiou, o diretor da PJ da Diretoria de Lisboa, João Oliveira, deu nota no podcast Soberania do passado dia 21 de março, que desde o final do verão do ano passado verificou, na sua área da Grande Lisboa (onde esta criminalidade regista mais casos), um abrandamento destes crimes graves cometidos por jovens, que passaram para metade no segundo semestre de 2022, uma situação que se está a manter também no primeiro trimestre deste ano. Ainda assim, no ano passado a PJ registou mais do dobro de homicídios tentados e consumados cometidos por gangues juvenis.

No CSSI do ano passado este fenómeno foi alvo de destaque, tenho o governo criado uma Comissão de Prevenção da Delinquência Juvenil e Criminalidade Violenta, que integra representantes das polícias, de vários ministérios e investigadores académicos da área. As autoridades já indicaram que este fenómeno da criminalidade grupal tem maior incidência nas áreas metropolitanas, especialmente nas designadas Zonas Urbanas Sensíveis . Os crimes mais cometidos por estes jovens, cuja idade média se situa nos 23 anos, são, essencialmente, roubos, furtos e agressões. GNR e PSP detiveram 1800 jovens neste contexto em 2022. Verificaram no terreno um aumento da conflitualidade e da violência, boa parte motivada por rivalidade entre os gangues e respetivos bairros; mas também relacionadas com grupos criminosos organizados de narcotráfico.

Campanha global de sabotagem cibernética
Os crimes informáticos também continuam em escalada, agravada pela pandemia e confirmada em 2022, e merecem uma referência especial dos serviços de informações neste RASI. Destaque para grupos de origem brasileira. Também o Centro Nacional de Cibersegurança registou um aumento substancial de casos, com mais quase 50% de notificações. Cerca de dois mil mereceram a classificação de "incidentes de cibersegurança", sendo que um quarto deles afetaram entidades da Administração Pública.

Na sua análise para o RASI, os serviços de informações sublinham que 2022 se iniciou com uma "campanha global de sabotagem cibernética dinamizada pelo coletivo hacktivista LAPSUS$ contra um conjunto de vítimas institucionais. Em Portugal, esta campanha teve um impacto profundamente disruptivo em múltiplos alvos da comunicação social e do setor das telecomunicações. Este grupo materializou a ameaça com origem na nova geração de operadores hacktivistas, agora desprovidos de motivação política e caracterizados por prosseguirem ações de cibersabotagem como reflexos (digitais) de transgressão juvenil e de anseio de protagonismo mediático".

Ao mesmo tempo, é sublinhado neste capítulo, a que o DN teve acesso, "o ciberespaço português foi alvo de atos promovidos pela cibercriminalidade internacional altamente organizada contra vítimas institucionais públicas e privadas". Disto resultou "o comprometimento da confidencialidade, da integridade e da disponibilidade de um número muito significativo de infraestruturas informáticas e na exposição de informação privada e sensível de cidadãos e de instituições nacionais, gerando, em inúmeras ocasiões, uma efetiva disrupção de funções essenciais das dinâmicas sociais, políticas e económicas portuguesas".

Fascínio pela narrativa jihadista
No que diz respeito à ameaça jihadista, os serviços de informações asseguram que, embora se mantenha elevada na Europa, em Portugal não foram recolhidos indícios que revelassem a existência de células pertencentes a organizações terroristas, nem elementos que apontassem para a participação de indivíduos residentes no território nacional em ações violentas ou no seu planeamento.

Contudo, alertam, "cumpre destacar a deteção de alguns jovens residentes em Portugal que revelaram um fascínio pela narrativa jihadista de organizações terroristas e que utilizaram plataformas de conversação - preferencialmente Telegram e Viber - e plataformas de gaming para o estabelecimento de contactos com indivíduos com um perfil psicológico e interesses semelhantes. Um aspeto que sobressai, neste contexto, é a extensa rede de contactos internacionais estabelecidos por aqueles jovens, nalguns casos com indivíduos suspeitos de envolvimento na preparação de ações violentas". Acresce ainda que "em número residual, foi assinalado o envolvimento dos mesmos na difusão de propaganda jihadista".

Os serviços de informações assinalam a preocupação com os portugueses que se juntaram ao daesh, incluindo familiares, cujo eventual regresso "permanece uma ameaça, na medida em que estes cidadãos se mantêm alinhados com a ideologia da organização terrorista Estado Islâmico e que continuaram a apoiar as ações que aquela organização desenvolve com vista à prossecução dos seus objetivos estratégicos". Recorde-se que Portugal ainda não aprovou um plano para esta situação. No comunicado emitido ontem, o MAI refere que o CSSI "apreciou o projeto de Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, que será em breve aprovada por Resolução do Conselho de Ministros".

Extremismos online
Quanto aos extremismos políticos, de esquerda, de direita e antissistema, os serviços de informações sustentam que "continuou a verificar-se uma perda de influência e dinamismo das organizações tradicionais da extrema‐direita portuguesa, nomeadamente no que respeitou à militância de rua".

No entanto, à semelhança do que já se tinha verificado na pandemia, registou-se uma "migração de atividades da extrema‐direita para o ambiente online, com crescente audiência, no qual é disseminada propaganda extremista, teorias da conspiração e desinformação, num ataque permanente à democracia, aos atores do sistema político e às minorias étnicas, religiosas ou sexuais". Neste plano, destacou-se, a crescente adesão de jovens militantes de extrema‐direita a grupos online, de âmbito nacional ou transnacional, dedicados à difusão de conteúdos propagandísticos extremistas, incluindo conteúdos "aceleracionistas" (terrorismo de extrema‐direita).

Advertem que "a radicalização online nestes meios poderá agravar o risco de surgimento de pequenas células ou de atores isolados dispostos a atuar com violência, por motivação ideológica".

Na extrema esquerda, "a atividade do movimento anarquista e autónomo continuou focada nas vertentes de propaganda e doutrinação, sendo raras as expressões da sua militância de rua". Além disso, é escrito neste RASI, "verificou-se novamente algum alinhamento ideológico com a corrente do anarquismo insurrecional (terrorismo anarquista) e com outros projetos revolucionários internacionais". Por outro lado, "alguns setores da extrema‐esquerda e militantes autónomos continuaram a impulsionar a luta ambientalista, sendo notório o alargamento da sua base de apoio junto da sociedade civil, particularmente da população estudantil, e a radicalização do seu ativismo (em determinados casos, aproximando‐se do extremismo).

Um terceiro objeto de análise nos extremismos foram os movimentos negacionistas que, segundo os analistas das "secretas", se foram transformando, seguir à pandemia, em movimento antissistema. Continuam a ter por base "teorias da conspiração (algumas das quais provenientes da extrema‐direita) e desinformação, mas alargando o âmbito da sua luta e favorecendo o surgimento esporádico de pequenos grupos de matriz radical".

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Miguel Pereira/Global Imagens