Quatro números do diretor da PJ que desmistificam a relação entre imigração e a criminalidade

"Números são números. São dados concretos e objetivos que aqui estão". A frase é de Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária, na Grande Conferência 160 anos do DN, ao ser questionado sobre uma eventual relação entre a imigração em Portugal e a criminalidade. Mas, afinal, que números trouxe o responsável?

Luís Neves referiu que entre a população de detidos em Portugal existem cerca de 120 estrangeiros de "outros países". A que países se refere? "Temos de fazer uma destrinça entre o que é estrangeiros que utilizam o território europeu para a prática de crimes. Portanto, estamos a falar de organizações criminosas transnacionais, tráfico de estupefacientes, cibercrime, muita cocaína, o haxixe, o cibercrime de uma forma ampla, a criminalidade contra o património. Aquilo que é designado como a criminalidade itinerante – da América Latina, do Leste, mais a Leste – que acabam por ser presas aqui", disse.

Ou seja, o diretor da PJ não está a falar de imigrantes. "Não são imigrantes. Estamos a falar sobretudo no tráfico". Este tipo de crime está classificado por nacionalidades: nacionais (portugueses), países da África, países da América do Sul, diz. "À cabeça está a questão das 'mulas', pessoas pobres que são utilizadas para ações criminosas, para trazer droga dentro do corpo, que nós prendemos, por ano, às dezenas ou até às centenas – normalmente mulheres – que aqui cumprem normalmente três, quatro, cinco anos e regressam ao país de origem", salientou o responsável.

É depois desta destrinça, como lhe chamou, que Luís Neves chega aos "outros países", numa referência a países industânicos como Índia e Paquistão. "Ou seja, temos 120 pessoas de outros países que não nestas nacionalidades que já aqui se falou. Num universo de mais de 10.000 presos", entre cumprimento de pena e preventivos.

1067
É o número de detidos pelo crime de furto simples e qualificado. No total da população presa, é o que representa a maior percentagem de detidos, quase 10% entre a população masculina. Segundo Luís Neves, trata-se sobretudo de "criminalidade itinerante". "Portanto, [criminosos] que fazem aqui campanhas e vão embora" e não imigrantes que vêm residir para Portugal, estejam ou não em situação ilegal.

631
Luís Neves fez uma comparação entre o número de estrangeiros detidos em 2009 e os que estavam detidos em 2023, os dados do último ano completo disponível. "Em 2009 tínhamos detidos 631 estrangeiros. Não tem que ver com imigrantes. Já há pouco disse as outras nacionalidades que é tudo o resto. (...) Em 2009 tínhamos – são dados objectivos – 454.000 imigrantes e foi uma das maiores relações que tivemos entre cidadãos estrangeiros em território nacional e o cometimento de crimes, portanto, detidos. Os dados de 2023 são: 1,044 milhões de cidadãos estrangeiros". O número de estrangeiros detidos em 2023 é de 1808, dos quais 120 dos tais "outros países". "É, por rácio de detidos, o segundo número mais baixo. O primeiro foi em 2020", explicou o diretor nacional da PJ.

24.500
Uma referência de Luís Neves ao elevado número de crimes violentos em Portugal no período que se seguiu à revisão do Código Penal e do Processo Penal. "Apanhei como diretor no início da minha carreira como dirigente o Código de Processo Penal pós Casa Pia, que levou à libertação de muita gente". A partir daí – em 2008, 2009 – foram anos de grande actividade criminosa violenta. Eu vou apenas dizer aqui os números: 2005 foram 15.000 crimes, 2006 foram 16 mil. E em 2010? 24.500 crimes violentos. 2011? 24.000. Depois começou a baixar, até que andamos agora na ordem dos 12, 13, 14 mil".

Na origem desta referência de Luís Neves estará a mudança, em 2008, dos códigos Penal e do Processo Penal, numa reforma que na altura foi vista como uma tentativa de contrariar práticas dos magistrados judiciais e do Ministério Público no processo Casa Pia. A ação teve como base um pacto para a justiça assinado entre o PS e o PSD.

Como refere um artigo do jornal Público da altura, “uma das alterações penais que geraram mais polémica foi a mudança de enquadramento do crime continuado contra as pessoas. O Governo PS sugeriu na sua proposta de revisão do Código Penal que o autor só fosse condenado por um único crime quando ele fosse cometido várias vezes contra a mesma pessoa. Esta versão da norma não estava prevista na proposta aprovada pela Unidade de Missão da Reforma Penal, liderada por Rui Pereira, mas acabaria por ser votada pelos deputados do PS, durante o debate na especialidade na Assembleia da República”.

Ou seja, nada neste aumento (e posterior recuo) dos números da criminalidade violenta teve ver com o peso (maior ou menor) da população imigrante em Portugal, argumentou Luís Neves.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Paulo Spranger/ Global Imagens