Eutanásia. PS avança para nova versão, direita insiste no referendo

Presidente da República volta a devolver diploma ao Parlamento, depois de o Tribunal Constitucional apontar normas inconstitucionais.

Declarado inconstitucional pela segunda vez, o texto que despenaliza a morte medicamente assistida vai voltar às mãos dos deputados, mas com regresso marcado a Belém. Para o PS, a questão agora levantada pelo Tribunal Constitucional (TC) é "semântica". "Tratando-se de corrigir uma palavra cá estaremos para o fazer em conjunto com todos os outros partidos que contribuem para este texto. É o que faremos de seguida", garantiu a deputada socialista Isabel Moreira. Um entendimento que foi partilhado por todas as bancadas que aprovaram o decreto, da IL ao BE, passando pelo PAN e pelo Livre.

Ressalvando a necessidade de ler o acórdão do TC e as muitas declarações de voto de uma decisão que, mais uma vez, voltou a ser tangencial (sete juízes conselheiros votaram a favor, seis votaram contra), Isabel Moreira falou até numa "vitória", dado que a declaração de inconstitucionalidade se prende com a indefinição de um conceito em concreto. "A maior parte da argumentação do senhor Presidente da República não vingou, nomeadamente a questão de se saber se o conceito de doença grave e incurável seria inconstitucional em face de um outro conceito, que já existia em outro diploma, referente a doença fatal", sustentou a deputada socialista.

Também a Iniciativa Liberal vê mais próxima a concretização da lei. "Trata-se de um problema de redação", sublinhou o deputado João Cotrim de Figueiredo: "Cá estaremos para fazer a correção do texto e será desta que poderemos ter em Portugal uma lei da morte medicamente assistida que possa conferir este direito a quem dele possa querer fazer uso".

Já o Bloco de Esquerda, pela voz de José Manuel Pureza, falou numa "pequena questão" e de uma declaração de inconstitucionalidade "um pouco incompreensível".

"Intolerável indefinição"
O TC já tinha dito, no anterior acórdão sobre o mesmo tema, que a morte medicamente assistida não é contrária à Constituição, mas as situações em que pode ocorrer têm de "ser claras, antecipáveis e controláveis". Garantias que a terceira versão do diploma continua a não dar: os juízes do TC voltaram esta segunda-feira a decretar a inconstitucionalidade de várias normas do decreto, com o presidente, João Caupers, a falar numa "intolerável indefinição" do novo texto, que o Presidente da República enviou para apreciação dos juízes conselheiros no início do mês.

Em causa está agora o conceito de "sofrimento". Nas palavras de João Caupers, ao tipificar o sofrimento em "três características, físico, psicológico e espiritual, ligados pela conjunção "e", são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto" - à luz do texto é igualmente admissível que esta exigência seja cumulativa ou alternativa. "Foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei", sustentou o juiz conselheiro, defendendo que esta é uma dúvida que cabe ao legislador clarificar.

Ou seja, para o TC o texto permite duas possibilidades interpretativas, ambas "plausíveis", mas que conduzem "resultados práticos antagónicos" - "reservar a morte medicamente assistida a pessoas que, em virtude de lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, relatem um sofrimento de grande intensidade que responda cumulativamente às [três] tipologias do sofrimento" ou admitir a morte medicamente assistida nas situações enunciadas, mas apenas perante alguma das três tipificações de sofrimento.

Direita insiste no referendo
À direita, a notícia de novo chumbo do TC foi apontada como mais uma prova de que esta matéria deve ser sujeita a referendo. O líder do PSD prometeu, aliás, que voltará a propor uma consulta popular à despenalização da eutanásia no início da próxima sessão legislativa, em setembro (a proposta já foi apresentada nesta sessão e não pode ser repetida).

"O PSD tem razão. Basta de teimosia. A discussão da eutanásia deve sair das quatro paredes do Parlamento e ser alvo de um referendo. A democracia direta é o espaço de uma discussão profunda e de uma decisão segura, visto que a pergunta tem de ser aprovada previamente pelo Tribunal Constitucional", escreveu Montenegro na rede social Twitter. Também André Ventura defendeu que o referendo é a "a única forma de resolver este problema de forma pacífica e consensual".

Já o PCP, que também votou contra o diploma, disse esperar que os proponentes da lei façam uma "reflexão" sobre uma matéria que "suscita algumas preocupações".

Com esta nova declaração de inconstitucionalidade, é a terceira vez que o diploma da morte medicamente assistida é devolvido à Assembleia da República (além dos dois chumbos do TC, houve ainda um veto político de Marcelo Rebelo de Sousa).

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Manuel de Almeide/LUSA