Costa ganha batalha dos apoios sociais, mas Marcelo também fica “feliz” com decisão do TC

Tribunal Constitucional declarou inconstitucionalidade das leis aprovadas por coligação negativa e sublinhou o valor da norma-travão. Primeiro-ministro ganha aos partidos e ao Presidente da República, mas Marcelo também fica “feliz” porque “os efeitos sociais foram produzidos e ressalvados”.

O Tribunal Constitucional (TC) deu razão ao primeiro-ministro: os apoios sociais que representaram um aumento de despesa em relação ao Orçamento do Estado, aprovados por coligação negativa no Parlamento e promulgados pelo Presidente da República, foram considerados inconstitucionais por violação da norma-travão que impede o parlamento de aumentar a despesa prevista no Orçamento do Estado.

A decisão sobre o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade, feito a 31 de Março por António Costa, foi tomada por unanimidade esta quarta-feira, em plenário do TC, mas o acórdão contém uma cláusula de salvaguarda dos efeitos já produzidos pelas normas que declarou inconstitucionais. O tribunal justifica esta opção com “motivos de segurança jurídica e de equidade”.

Em causa estavam três tipos de medidas: o apoio aos pais devido à suspensão das aulas presenciais, um apoio excepcional à família e apoios sociais extraordinários aos trabalhadores independentes e empresários em nome individual. Em todos o TC declarou a inconstitucionalidade sempre que deles resultava um aumento da despesa prevista no Orçamento do Estado. Só os últimos ainda estão em vigor, mas o Governo já garantiu que eles não vão deixar de ser pagos, uma vez que o decreto-lei que os regulamentou “está e vai continuar em vigor”.

“Ninguém perderá acesso aos apoios em questão, por força deste acórdão, nem nunca foi essa a intenção do Governo”, declarou o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, em conferência de imprensa, na residência oficial do primeiro-ministro. “Os apoios sociais [declarados inconstitucionais] já tinham sido consagrados pelo próprio Governo em decreto-lei, os quais estão e continuarão a estar em vigor”, assegurou, sublinhando que “o Governo tem vindo a criar apoios sociais” desde o início da pandemia para tentar chegar aos mais vulneráveis.

E era isso que, afinal, todos desejavam, inclusive o Presidente da República. “Fico muito feliz”, disse Marcelo Rebelo de Sousa ao PÚBLICO, explicando porque: “Porque se cumpriu a Constituição, porque o Governo foi forçado a legislar sobre os apoios e estes vão continuar em vigor, porque o Tribunal Constitucional ressalvou todos os efeitos produzidos”.

Assumindo ter tido uma interpretação diferente da Constituição, Marcelo diz que a sua decisão foi “um risco calculado”. “O que interessava era produzir os efeitos sociais” - e esses vão manter-se. 

"Quem governa é o Governo"
Para o Governo, a questão é outra e tem a ver com a governabilidade e o cumprimento da Constituição. Como sublinhou Tiago Antunes, o que estava em causa no recurso de António Costa para o TC "não era uma questão financeira, mas o modelo de governação previsto na Constituição”, a “separação de poderes” e o risco de se abrir um “precedente grave de imprevisibilidade e risco de segurança para o Orçamento do Estado”.

Por outras palavras: “Quem governa é o Governo, a Assembleia da República não se substitui ao Governo, a Constituição não permite o governo de Assembleia”, afirmou Tiago Antunes. E neste contexto, sublinhou: “A norma-travão é um elemento-chave do sistema político”, até “para viabilizar os governos minoritários”, e “é um efectivo travão à perturbação da acção governativa”.

Tiago Antunes quis também assegurar a continuidade das negociações do próximo Orçamento: “O Governo está fortemente empenhado no diálogo parlamentar”, em particular com “os partidos que têm viabilizados os orçamentos” anteriores, afirmou.

Antes de conhecer a reacção do Governo, o líder do PSD, partido proponente de parte das medidas agora “chumbadas” pelo TC, considerava que “o Governo ganhou juridicamente”, mas não a nível político, porque “quem sai prejudicado são os portugueses”. 

“A probabilidade de ser inconstitucional era razoável”, reconheceu Rui Rio, explicando que a intenção do PSD e do parlamento era “ver se conseguia que o Governo aderisse” ao alargamento dos apoios sociais. “O Governo politicamente não anuiu, recorreu ao Tribunal Constitucional” e “ganhou juridicamente”, acrescentou.


Fonte: Público
Foto: LUSA/Tiago Petinga