Enriquecimento ilícito. Já há maioria no parlamento para se legislar
António Costa afirma-se alinhado com proposta enviada ao Parlamento pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Há maioria para legislar. Falta saber se haverá maioria nas soluções.
A primeira declaração foi da deputada do PS Constança Urbano de Sousa, ao Observador, mas ontem o próprio António Costa veio a jogo confirmar: o PS está disponível para apresentar no Parlamento um projeto-lei visando a criminalização do enriquecimento ilícito.
Falando em Andorra, onde foi participar em mais uma cimeira ibero-americana, o líder do PS afirmou que é possível avançar com soluções legislativas em linha com as sugestões apresentadas pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP).
"Penso que é altura de todos os responsáveis políticos compreenderem que a corrupção não é um fator de divisão, ou uma arma de arremesso político, mas de união entre todos. Essa é a única forma de os cidadãos sentirem confiança nas instituições e perceberem que as instituições no seu conjunto estão empenhadas em combater a corrupção", declarou, depois de interrogado sobre as mais recentes propostas para a criminalização do enriquecimento ilícito.
Perante os jornalistas, o líder do executivo referiu que no Conselho de Ministros da próxima semana será aprovado o conjunto dos instrumentos legislativos que irão dar tradução à Estratégia Nacional de Luta contra a Corrupção - plano que esteve em debate público.
Contudo, ressalvou: "Há um entendimento que o Governo tem com a Assembleia da República de que as matérias que foram tratadas pelo parlamento no âmbito do chamado pacote da transparência devem ser agora ser tratadas na Assembleia da República. Todos os grupos parlamentares já tomaram posição, designadamente o PS, e todos eles manifestando abertura para que, com base na proposta agora formulada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, introduzir as melhorias que o regime aprovado em 2019 criou."
Segundo o primeiro-ministro, esta discussão é "completamente diferente do que foi falado há duas legislaturas e que, por duas vezes, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional".
"O contributo da Associação Sindical dos Juízes é muito importante, porque desbloqueia o debate. Abandona-se a obsessão em que alguns insistiam com uma solução que é inconstitucional - e, como tal, impossível - e que permite melhorar o que foi aprovado em 2019", insistiu ainda.
Pela parte do Governo, António Costa salientou que a missão é aprovar o conjunto de instrumentos legislativos, quer em matéria penal, quer em matéria de processo penal, ou, ainda em matéria de prevenção, que está previsto na Estratégia Nacional de Luta contra a Corrupção". "Hoje, há capacidade de investigação e capacidade de as matérias serem tratadas. Mas devem ser tratadas no local próprio", acrescentou.
A proposta dos juízes
A disponibilidade do PS agora confirmada por António Costa junta-se à já manifestada pelo PCP e BE - que já entregaram projetos - e também pelo CDS-PP. Há portanto maioria clara para legislar, faltando porém saber se haverá maioria para em concreto se arquitetar uma solução concreta legislativa minimamente consensual. Em anteriores legislaturas, o PSD tentou por duas vezes criminalizar o enriquecimento ilícito - mas essas tentativas esbarraram nas duas vezes em chumbos unânimes no Tribunal Constitucional. Os juízes invocaram que os articulados invertiam o ónus da prova: o suspeito de enriquecimento ilícito teria de provar a sua inocência em vez de ser a justiça a provar a sua culpa. Por agora - em que a criminalização do enriquecimento ilícito voltou à ordem do dia por via da decisão instrutória da "Operação Marquês" - o PSD afirma que só apoiará uma "medida pontual" se esta for "eficaz e constitucional".
A ASJP enviou a sua proposta a todos os grupo parlamentares. "Se durante o exercício do cargo houver aquisição de património que não tenha sido declarado e justificado, o fundamento da punição será a prova efetiva da violação do dever de sujeição à fiscalização, inerente às obrigações declarativas próprias do exercício de cargos públicos, que a acusação facilmente poderá provar, e não uma ilicitude presumida a partir do comportamento do acusado", lê-se no documento. E "nas situações em que o património não se encontre formalmente na titularidade do agente do crime, uma vez feita a prova dessa titularidade, o agente será punido não por se presumir que enriqueceu ilicitamente, mas por ter enriquecido sem o declarar e justificar".
Fonte: Diário de Notícias
Foto: António Cotrim/Lusa