Portugal quer rever regras da União Europeia para evitar devolver fundos

Bruxelas está a adotar uma interpretação do Tribunal de Contas Europeu do efeito incentivo que o ministro da Economia considera "estúpida". Nerlei está a ser pressionada a devolver quatro milhões.
Portugal vai propor uma alteração da legislação comunitária para impedir que empresas e associações tenham de devolver apoios. Em causa estão os contactos prévios feitos antes da apresentação de uma candidatura a incentivos europeus, como por exemplo perguntar o preço de um stand numa feira internacional. A situação está a obrigar algumas associações e empresas a devolver milhões de euros a Bruxelas.
O problema reside no chamado efeito incentivo. Ou seja, as empresas só têm direito a apoio comunitário, caso se prove que o investimento apenas é feito graças ao mesmo. Bruxelas só considera válidos os apoios que mudam o comportamento das empresas. Se a empresa estivesse disposta a fazer um determinado investimento sem as verbas comunitárias, isso significa que o apoio não tem o efeito incentivo. Isto é, “era dinheiro público que estaria a ser gasto sem uma contrapartida para a sociedade”, como explicou no ECO dos Fundos Isabel Gaspar, responsável pela unidade de compliance e auditoria do Compete.
Bruxelas está a adotar neste domínio uma interpretação do Tribunal de Contas Europeu que as autoridades nacionais consideram demasiado restritiva. “Estúpida” mesmo, na avaliação do ministro da Economia e da Coesão Territorial.
“Já é um problema sério que temos hoje no financiamento das exportações”, disse Manuel Castro Almeida no Parlamento, a semana passada. “Basta uma associação empresarial perguntar o preço de um stand de uma feira em Hanover, Melbourne ou Otawa. O facto de perguntar quanto custa reservar um local de X m² na feira Y, está a ser considerado como uma decisão de participar na feira. Portanto, quando se faz a candidatura, segundo alguns, na interpretação mais literal, mais rigorosa e, do meu ponto de vista, mais estúpida — esse assunto de facto enerva-me — há quem entenda que já não há efeito incentivo”, explicou.
“Portugal vai tentar propor legislação que afaste esta interpretação casuística que o Tribunal de Contas fez e que está a ser aplicada como regra a toda a administração de Bruxelas. É ousado, é ambicioso, mas temos de resolver este problema. Temos muitas empresas com sarilhos por causa disso e é injusto”, frisou Castro Almeida.
“Na pior interpretação que é feita da lei, está a ser recusado o pagamento. E quem está a fazê-lo é o Tribunal de Contas Europeu”, criticou o ministro que tem a tutela dos fundos comunitários. “E algumas empresas e associações estão a ser obrigadas a devolver os incentivos já recebidos. Quando isto acontece, todas as candidaturas da mesma associação ficam sob suspeita e não pode haver pagamentos. Isto é uma complicação, de facto”, concluiu.
Uma das associações confrontadas com este problema é a Nerlei. À associação empresarial de Leiria está a ser pedida a devolução de quatro milhões de euros. Trata-se do apoio integral de um projeto conjunto submetido na transição de quadros comunitários (do PT2020 para o PT2030).
O tema foi objeto de uma pergunta do Partido Socialista ao Executivo e já tinha sido discutido na anterior ida de Castro Almeida ao Parlamento.
“Estamos perante uma situação dramática que fragiliza de forma direta a tesouraria de mais de uma centena de pequenas e médias empresas, mina a confiança dos empresários nos programas públicos e coloca em causa a credibilidade do Estado português”, escreveram os deputados socialistas Catarina Louro e Eurico Brilhante Dias.
Confeções Bulhosa venceu braço de ferro
A questão tem vindo a ganhar escala desde que o Tribunal de Contas Europeu emitiu um acórdão em 2019 – o acórdão eesti pagar – no qual determina que qualquer despesa que tenha sido feita anteriormente que seja um compromisso juridicamente vinculativo e que não seja condicional à outorga do incentivo, se tiver sido feita essa despesa sem essas salvaguardas, o projeto cai na sua totalidade. Razão pela qual Portugal questiona a proporcionalidade da decisão. Por uma despesa de 150 euros pode cair um projeto de seis milhões ou dez milhões.
Foi precisamente com base no princípio da proporcionalidade que a Confeções Bulhosa conseguiu, em novembro de 2024, que o tribunal administrativo e fiscal de Braga revogasse a decisão do Compete que a obrigava a devolver 63.900 euros em apoios que já tinha recebido e que lhe fossem pagos os remanescentes 47.552 euros.
Neste caso em concreto, a têxtil contratou serviços de marketing digital junto da Netgócio em data anterior à apresentação da candidatura (30 de outubro de 2018), embora os trabalhos tenham sido realizados posteriormente, o que viola as regras. O tribunal considerou, na sentença a que o ECO teve acesso, no entanto, “excessiva a decisão” de “revogar por completo todo o projeto, quando poderia simplesmente revogar a despesa em questão”, porque o próprio contrato de atribuição do incentivo prevê a “possibilidade de redução” do mesmo em caso de “incumprimento parcial das obrigações do beneficiário”. A despesa com o fornecedor Netgócio era de 5.290 euros, quando a despesa total era de 247.229 euros. Por isso o tribunal administrativo e fiscal de Braga considera que só este valor deve ser “descontado” do apoio pago.
Fonte: Eco