6268 escutas telefónicas em oito meses indiciam nova descida

Justiça lenta, cara, impune e “um sistema onde abril não chegou”. Num coloquio realizado no parlamento ao retrato negro da justiça traçado pelos intervenientes o diretor nacional da PJ trouxe alguma esperança destacando o reforço de meios e de inspetores

Até ao passado dia 31 de agosto estiveram ativas 6 268 interceções de comunicações, autorizadas por juízes no âmbito de inquéritos criminais.

A revelação, que foi feita pelo diretor nacional da Polícia Judiciária, indicia uma nova possível queda significativa da utilização da escutas nas investigações neste ano- o valor referido registado em oito meses deste ano representa uma decréscimo de 40% em relação às 10 532 escutas realizadas em todo o ano passado, no qual também se verificou uma descida de mais de 28% face a 2022.

Essa tendência é também evidente quando se calcula a média mensal; 877 em 2023; 783 em 2024.

Tratam-se, como sublinhou Luís Neves, de escutas durante todo o ano, umas mais outras menos prolongadas, sendo que algumas delas dizem respeito a um mesmo alvo como a interceção colocada em diversos cartões telefónicos utilizados pelo suspeito, incluindo o endereço eletrónico.

O chefe máximo da PJ falava no contexto de debate após as intervenções do colóquio subordinado ao tema “A Justiça que temos. A Justiça que queremos”, organizado pela Associação dos Ex-Deputados da Assembleia da República (AEDAR), que decorreu nesta segunda-feira no Parlamento, no qual foi criticada a utilização “desproporcional” deste meio intrusivo de investigação criminal. Foi o caso do presidente da AEDAR, Jorge Lacão, que elencou esta como uma das “várias questões” que o preocupam na investigação criminal.

“O recurso a formas de intrusão desproporcionada na esfera da vida provada ou a ingerência em critérios típicos da vida política - de que são exemplo o recurso imoderado e banalizado a escutas telefónicas, a operações de busca executadas sob os holofotes do estado espetáculo, a detenções para além do período constitucionalmente previsto, as recorrentes violações do segredo de justiça (...) constituem exemplos manifestos de uma prática abusiva”, sublinhou o ex-deputado socialista e ex-ministro dos Assuntos Parlamentes.

Luís Neves tentou ainda contrariar o retrato negro que tinha sido traçado pelos outros participantes do colóquio, especialmente em relação à morosidade da justiça, particularmente sublinhada pela ex-deputada do PSD e advogada Mónica Quintela, salientando que a PJ “ultrapassou os constrangimentos” que teve no passado e tem vindo a reforçar os seus meios para que as investigações sejam mais céleres.

Além da lentidão, Quintela assinalou também o facto de a Justiça ser “caríssima, com taxas exorbitantes”, tal como “as perícias”, concluindo que no que toca à igualdade no acesso, “o 25 de abril ainda não chegou à justiça”. Aliás, reforçou, “há uma autêntica denegação da justiça”.

Com moderação de Fernando Negrão, ex-ministro da Justiça e ex-deputado do PSD, participaram ainda no Colóquio a ex-ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa, atual deputada do PS; Paulo Mota Pinto, ex-deputado do PSD e ex-juiz do Tribunal Constitucional; e André Coelho Lima, ex-deputado do PSD, que tinha a pasta da Segurança no grupo parlamentar.

O escrutínio da Justiça esteve em foco nas intervenções de Urbano de Sousa e Coelho Lima. A primeira a argumentar que “o sistema judicial deve ser transparente, como mecanismos de controlo, sem ter medo do escrutínio, sob pena de se instalar uma situação corrosiva para o sistema democrático, que é o abuso de poder”.

Coelho Lima a considerar que “a justiça não está preparada para esse questionamento”, recordando a reação dos magistrados do Ministério Público ao “Manifesto dos 50 por uma reforma da Justiça”, do qual é subscritor (tal como Lacão, Quintela e Constança Urbano de Sousa), no qual são feitas críticas a alguns procedimentos do MP. “A maior surpresa foi a resposta do sistema judicial, com os magistrados do MP a saírem em defesa da procuradora-geral. Não é normal quando pessoas cultas, preparadas, com mundividência, não pensem que, quando há um clamor público, é melhor ouvir. Se não nos questionamos a nos próprios, não estamos preparados para o que a sociedade exige de nós”.

Fonte: Diário de Notícias